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Independentemente da origem da doença, o efeito da vacinação
era tão misterioso quanto o da variolação. Por que
motivo uma pessoa que já teve uma doença fica protegida contra
essa enfermidade? Por que isso ocorre no caso da varíola e não
ocorre no caso de outras doenças, que podem atacar várias
vezes a mesma pessoa? O próprio Jenner não tenta explicar
isso. Ele se contenta com o estabelecimento de que a vacinação
funciona e é segura.
O químico Humphry Davy propôs, em 1811, uma explicação:
um veneno poderia combater outro semelhante. Assim, se a pessoa já
tivesse dentro de seu corpo um veneno (da cow-pox), esse veneno impediria
a ação da varíola humana. Nessa hipótese, está
implícita a suposição de que a varíola é
transmitida por um tipo de veneno - o que todos aceitavam na época.
Como vimos, o próprio Jenner fala muitas vezes sobre o "vírus"
da varíola e da cow-pox, o que significava, na época, a mesma
coisa que veneno.
Davy sugeriu que um processo semelhante à vacinação
poderia ser utilizado com outras doenças que também sejam
transmitidas por venenos. Ele se refere especificamente à raiva
ou hidrofobia, que também passa de um cão para outro, pela
mordida. George Pearson, por sua vez, havia sugerido, antes disso, que
se poderia desenvolver um processo semelhante de proteção
contra a sífilis - que também é contagiosa.
Nessa época, começou a se formar uma nebulosa associação
entre essas várias idéias: uma enfermidade contagiosa que
só ataque uma vez cada pessoa é transmitida por um vírus
e deve poder ser evitada por um processo semelhante à vacinação.
Nem Jenner, nem os outros autores da época, se preocuparam em explicar
como o "vírus" da varíola se multiplica dentro do organismo.
Ninguém sugeriu, na época, que a doença pudesse ser
causada por microorganismos.
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No século XIX, a vacinação utilizava material
tirado das feridas das vacas, que era inoculado diretamente nas pessoas.
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A vacinação é um exemplo clássico de técnica
médica que surgiu sem nenhuma explicação, mas que
funcionou. De certa forma, ela representa um retorno à humildade
de Hipócrates, que não pretendia desenvolver uma ciência
teórica e sim uma técnica, uma arte empírica de curar. |
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