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Nada mais existia além
de uma matéria em estado confuso. O disforme e o inerte reinavam,
até o dia no qual o princípio formador de todas as coisas
e gerador do mundo trouxe a proteção da vida e deu ao universo
sua aparência de orde e de beleza. Ele separou o céu e a terra,
separou o continente do mar; os quatro elementos, raízes e germes
de todas as coisas, receberam por sua vez suas formas próprias.
Segundo Heráclito, é isso, exatamente, que o mito de Proteu
representa:
A filha de Proteu se
chama justamente Eidotéia , pois ela é a divindade que preside
à aparição das diversas formas. E por sua causa Proteu,
inicialmente um só, se divide e toma várias formas, sob a
ação da providência que o modela.
“Ele se torna inicialmente um
leão de grande juba,
depois um dragão, pantera,
javali;
ele se torna água corrente
e uma grande árvore frondosa”
Cada uma dessas formas, segundo Heráclito, representaria um dos
elementos básicos do universo: o leão, “animal cheio de fogo”,
representaria o éter; o dragão, que se arrasta sobre o solo,
seria a terra; a árvore, de grande copa que se espalha pelo céu,
seria uma representação do ar; e a água corrente seria
a própria água. Assim, os quatro elementos básicos
seriam resultados da transformação de Proteu. Proteu, um
“velho”, e cujo nome significa “o primeiro” (“prótos”, em grego),
seria algo que teria existido antes de todas as formas de matéria;
a ilha de Pharos, onde ele sofre suas mudanças, significaria “produção”.
Assim, o mito de um velho que é enganado pela própria filha
para salvar Menelau se transforma, sob a interpretação de
Heráclito, em uma descrição filosófica do princípio
de todas as coisas.
Podemos considerar a interpretação de Heráclito um
pouco forçada; a pantera e o javali não se encaixam em sua
interpretação dos quatro elementos. Mas o interessante é
que ele convenceu a muitos, e a visão de Proteu como sendo a matéria
prima de onde saem todas as outras foi utilizada, no século XX,
para dar o nome ao próton. |
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