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Grupo de História, Teoria e Ensino de Ciências
Meio século do méson-pi
artifical – 2
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Meio
século do méson-p
artificial – 2
Lattes decidiu trocar o H. H. Wills Laboratory pelo Radiation
Laboratory, em 1947, quando foi a Chacaltaya (Bolívia) expor
as chapas fotográficas, que confirmaram a presença do méson-pi
na radiação cósmica. Com o apoio de pessoas do Brasil,
ele articulou a sua ida para Berkeley. A bolsa de estudos da Fundação
Rockfeller resultou da recomendação de Gleb Wataghin – fundador
do departamento de física da Universidade de São Paulo (USP)
onde Lattes era professor – ao físico americano Arthur Compton.
Wataghin também escreveu a Lawrence recomendando Lattes. Álvaro
Alberto, então capitão-de-mar-e-guerra, e membro da delegação
brasileira na comissão de energia nuclear da ONU, interferiu para
conseguir a permissão da Atomic Energy Commission (AEC).
Na época da Guerra Fria, quando todos os laboratórios americanos
de física eram "classificados" – ou seja, submetidos ao rígido
controle e fiscalização da AEC – não era trivial o
acesso de pesquisadores estrangeiros. A autorização que permitiu
a ida de Lattes para o Radiation Laboratory não foi uma cortesia
de Lawrence para com o seu colega Wataghin ou de Bernard Baruch, representante
do governo americano na AEC, para com Álvaro Alberto. Havia uma
teia de interesses políticos ligada ao jogo das relações
internacionais entre os países e ao desenvolvimento da ciência.
De um lado, na chamada política de cooperação continental,
o governo americano pretendia ter o controle dos minerais radioativos brasileiros.
De outro, o Brasil, representado por Álvaro Alberto, propunha que
a exportação de minerais radioativos fosse compensada por
transferência de tecnologia para produção de energia
nuclear.
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Lattes, sentado, e Gardner,
de pé, na Sala de Comandos do cíclotron de 184 polegadas. |
Quando Lattes chegou aos Estados Unidos, mésons já eram produzidos
no ciclotron de 184" sem que ninguém soubesse. Por mais de um ano,
físicos de Berkeley tentaram detectar mésons e não
obtiveram êxito pois, além de não conhecerem o método
apropriado de utilização das emulsões nucleares, procuravam
por um méson mais leve do que o pi. Lawrence nunca imaginou que
Gardner, muito adoentado, e Lattes, um jovem físico de um país
subdesenvolvido, fossem capazes de fazê-lo em apenas quinze dias
após a sua chegada! A interação entre eles foi perfeita,
uma vez que Gardner conhecia bem o desempenho do equipamento e Lattes tinha
amplo domínio da técnica das emulsões nucleares aplicada
ao estudo das partículas.
Ernest Lawrence transformou o acontecimento científico em um carnaval,
convocando a imprensa para uma coletiva, tão logo a Atomic Energy
Commission permitiu. No meio acadêmico, a reação
imediata se dividia entre os eufóricos e os céticos, que
aos poucos, foram cedendo às evidências experimentais. A detecção
do méson-pi artificial está registrada em dois artigos publicados
nas revistas Science e Physical Review.
Fotografia de um méson-pi
artificial produzido no cíclotron de 184", cuja trajetória
é fácil de observar. Isto porque, ao passar perto de um núcleo,
o méson-pi é absorvido por atração elétrica
e quase sempre explode o núcleo que o captura. Os fragmentos formam,
na emulsão revelada, um desenho semelhante a uma estrela. |
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Assim, se a descoberta do méson-pi na natureza passou à história
da física, inaugurando a área da física de partículas,
a produção e detecção artificial dos mésons
fez emergir uma outra época na física experimental: a era
dos aceleradores de partículas. Estes se tornaram parte da infra-estrutura
obrigatória da investigação científica, da
mais fundamental à mais aplicada, vencidos unicamente pela energia
dos raios cósmicos.
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O físico Ernest Lawrence construiu
o cíclotron de 184" com um eletroímã doado pela Fundação
Rockfeller. Antes desta peça possibilitar a produção
do méson-pi artificial, ela foi utilizada para o enriquecimento
do urânio usado na bomba atômica lançada sobre Hiroxima. |
Fotografias: Arquivo Cesar
Lattes e Arquivo Henry British Lins de Barros
Esta página
foi elaborada por Fernanda Figueira Kischinhevsky, bolsista do CNPq, e
Ana Maria Ribeiro de Andrade,
pesquisadora do Museu de Astronomia
e Ciências Afins – MAST/CNPq, autora do livro:
ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de. Físicos,
mésons e política: a dinâmica da ciência na sociedade.
São Paulo / Rio de Janeiro: Hucitec / MAST, 1998. |
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em 08/Jan/1999