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Grupo de História, Teoria e Ensino de Ciências |
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O professor César Lattes foi o criador do Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia do Instituto de Física "Gleb Wataghin" da UNICAMP. A mais conhecida contribuição de Lattes à física foi sua importante participação na descoberta do méson pi, em 1947. Apresentamos nesta página uma pequena descrição ilustrada dessa descoberta. Você também poderá obter aqui uma cópia eletrônica do primeiro artigo de Lattes sobre mésons.
Outras páginas, na Internet, sobre César
Lattes e a descoberta do méson pi:
Yukawa e Lattes
Em 1935, Hideki Yukawa propôs uma teoria para explicar
as forças nucleares. Ele sugeriu a existência de uma partícula
ainda desconhecida, com uma massa cerca de 200 vezes maior do que a do
elétron, que poderia ser emitida e absorvida por prótons
e nêutrons. A troca dessa partícula entre os constituintes
do núcleo atômico produziria uma atração entre
eles, de curto alcance, que poderia explicar a estabilidade nuclear. Por
ter uma massa intermediária entre a do elétron e a do próton,
recebeu o nome de “méson”. Essas partículas só poderiam
existir durante um tempo muito curto, e se desintegrariam fora do núcleo
atômico, depois de apenas um bilionésimo de segundo.
Em 1937-38, Carl D. Anderson e Seth H. Neddermeyer
encontraram na “radiação cósmica”, que continuamente
atinge a Terra, os sinais de algo que parecia ser o méson de Yukawa:
tinha uma massa adequada, e se desintegrava do modo previsto. Durante quase
dez anos, parecia que tudo se encaixava e que se dispunha de uma boa teoria
sobre a constituição da matéria. Em 1947, no entanto,
essa tranqüilidade foi derrubada. Descobriu-se que o méson
de Anderson e Neddermeyer não tinha o comportamento previsto.
Para poderem explicar as forças nucleares,
os mésons deveriam ser fortemente absorvidos por prótons
e nêutrons. Previa-se, portanto, que eles fossem facilmente capturados
pela matéria. No entanto, um grupo de pesquisadores italianos (Marcello
Conversi, Ettore Pancini e Oreste Piccioni) observou que os mésons
que haviam sido encontrados na radiação cósmica podiam
atravessar centenas de núcleos atômicos sem sofrer nenhuma
alteração. Eles tinham uma interação muito
fraca com prótons e nêutrons, ao contrário do que se
esperava. Alguma coisa estava errada.
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César Lattes, em 1947 |
O laboratório do Monte
Chacaltaya, em construção
O que era aquilo? Havia várias interpretações
possíveis. Podia ser que o méson tivesse reagido com um núcleo
dentro da emulsão e tivesse sido expelido com uma maior velocidade;
ou poderia ter havido uma transformação de um méson
em outro. Os dois primeiros casos eram insuficientes para se tirar qualquer
conclusão segura. Para obter maior número de dados, Lattes
viajou para a Bolívia, e colocou no alto do Monte Chacaltaya, a
uma altitude de 5.500 metros, várias emulsões nucleares.
Nelas, foi possível encontrar cerca de 30 rastros de mésons
duplos. Estudando esses traços, foi possível determinar a
massa dos mésons e perceber que havia dois tipos de partículas,
com massas diferentes.
Existia um tipo de méson que era cerca de
30 a 40% mais pesado do que o outro. Ele se desintegrava e produzia o méson
mais leve. A partícula secundária era a que já
era conhecida pelos estudos de Anderson e Neddermeyer, e passou a ser chamada
de méson mi (atualmente, é chamado de múon). O méson
primário, mais pesado, era algo novo, desconhecido. Foi denominado
méson pi, e sua identificação foi anunciada em outubro
de 1947. Estudos posteriores mostraram que ele tinha uma forte interação
com o núcleo atômico, possuindo as características
exigidas pela teoria de Yukawa. Haviam sido encontradas as partículas
responsáveis pelas forças nucleares.
Essa descoberta não foi, no entanto, a mera
confirmação de uma teoria. Ela abriu todo um novo mundo de
investigações. Primeiramente, ficava claro que existiam partículas
(os múons) que não haviam sido previstas antes, e que não
tinham um papel conhecido na natureza. Em segundo lugar, porque o estudo
da radiação cósmica logo levou à descoberta
inesperada de muitas outras partículas. Naquele mesmo ano, começaram
a ser observados rastros que não correspondiam a nada de conhecido.
O próprio grupo de Powell encontrou alguns
sinais de mésons duas vezes mais pesados do que os píons.
Foram chamados inicialmente de mésons tau, e atualmente são
denominados mésons kappa. Ainda em 1947, Clifford Butler e George
Rochester observaram traços em forma de V, que podiam ser explicados
supondo a existência de novas partículas neutras (sem carga
elétrica), que não deixam traço, e que se desintegram
em uma partícula positiva e outra negativa. Nos anos seguintes,
foi surgindo uma avalanche de novas partículas, todas elas inesperadas,
e com propriedades difíceis de serem compreendidas, na época.
Robert Oppenheimer introduziu a expressão “zoológico sub-nuclear”
para esse novo mundo de partículas. Entre os animais exóticos
desse zoológico, foram encontradas partículas mais pesadas
do que o próton (os “híperons”), de vários tipos diferentes.
A nova fauna foi inicialmente explorada pelo estudo de raios cósmicos,
mas logo foram construídos aceleradores de partículas cada
vez mais poderosos, que permitiram a criação e investigação
dessas partículas em laboratório.
Mais do que encontrar uma partícula em especial,
a descoberta do méson pi marcou o início de uma revisão
dos conceitos físicos sobre a estrutura da matéria. A grande
variedade de partículas descobertas nos anos seguintes colocou em
dúvida o conceito de “partícula elementar” como algo indivisível,
simples, e levou à procura de uma estrutura para os próprios
prótons, mésons e outras partículas. A teoria dos
quarks jamais teria surgido sem o estímulo dessas descobertas, desencadeadas
há 50 anos.
No dia 24 de maio de 1947, a revista inglesa Nature publicou o artigo "Processes involving charged mesons", de autoria de Cesar Lattes, H. Muirhead, G. P. S. Occhialini e C. F. Powell. Você pode obter uma cópia eletrônica deste artigo aqui (o arquivo lattes.zip tem 82,3 kilobytes e pode demorar para ser transferido pela Internet).
Atenção: Os direitos autorais deste artigo pertencem à revista Nature. Nossa biblioteca eletrônica está fornecendo aqui uma cópia do artigo, em forma digital, exatamente da mesma forma que uma biblioteca tradicional pode fornecer uma cópia xerox do artigo, a qualquer pesquisador, sem necessidade de pagamento de direitos autorais. As pessoas que obtiverem aqui uma cópia do artigo devem estar cientes de que somente poderão fazer uso da cópia fornecida para uso individual de pesquisa. Qualquer outro uso está vedado por lei.
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Grupo de História, Teoria e Ensino de Ciências
em 03/Abr/1998