|
Grupo de História, Teoria e Ensino de Ciências
Descrição
de César Lattes
sobre a descoberta do méson
pi
|
A descrição da descoberta do méson
pi, encontrada abaixo, foi escrita (em inglês) pelo professor César
Lattes em 1984. Ela foi publicada pela primeira vez na obra: BELLANDI FILHO,
José & PEMMARAJU, Ammiraju (eds.). Topics in cosmic rays.
2 vols. Campinas: Editora da UNICAMP, 1984, vol. 1, pp. 1-5. A tradução
aqui apresentada foi feita por Roberto A. Martins. Você pode obter
aqui uma cópia completa desta tradução,
em formato Word for Windows.
MEU TRABALHO EM FÍSICA DE MÉSONS COM EMULSÕES NUCLEARES
Cesare Mansueto Giulio Lattes
No final da Segunda Guerra Mundial, eu estava trabalhando
na Universidade de São Paulo, Brasil, com uma câmara de neblina
disparada por mésons lentos que eu tinha construído em colaboração
com Ugo Camirini e A. Wataghin. Enviei as fotografias que obtive com essa
câmara de neblina para Giuseppe P. S. Occhialini, que tinha deixado
o Brasil recentemente e se unido a Cecil F. Powell, em Bristol (Inglaterra).
Ao receber de Occhialini algumas cópias positivas de fotomicrografias
de traços de prótons e de partículas alfa, obtidas
com uma nova emulsão concentrada que tinha acabado de ser produzida
experimentalmente por Ilford Ltd., eu imediatamente lhe escrevi pedindo
para trabalhar com as novas placas, que obviamente abriam grandes possibilidades.
Occhialini e Powell conseguiram uma bolsa da Universidade de Bristol; eu
de alguma forma consegui chegar a Bristol durante o inverno de 1946.
Foi-me dada a tarefa de obter o fator de encolhimento
da nova emulsão (que era muito mais concentrada do que as antigas);
Occhialini e Powell ainda estavam trabalhando com espalhamento n-p em torno
de 10 MeV, usando as antigas emulsões. Decidi que o tempo de que
dispunha no acelerador Cockroft-Walton de Cambridge, que proporcionava
partículas de desintegração artificial para testar
o fator de encolhimento, era suficiente para um estudo das seguintes reações:
D (d, p) H31
Li63 (d, p) Li73
Li73 (d, p) Li83
Be94 (d, p 2n) Be84
B105 (d, p) B105
B115 (d, p) B125
Pela análise dos traços, obtivemos uma
relação de alcance-energia para prótons até
cerca de 10 MeV que foi utilizada durante vários anos, em pesquisas
nas quais uma única partícula carregada era detectada (por
exemplo, píons e múons) (1).
No mesmo experimento, coloquei placas tratadas com
bórax, que Ilford tinha preparado a meu pedido, na direção
do feixe de nêutrons produzidos na reação:
que dá um pico de nêutrons em aproximadamente 13 MeV. A idéia,
que funcionou bem, era obter a energia e o momento dos nêutrons,
independentemente de sua direção de chegada (que não
era conhecida), pela reação
n0 + B105 ®
He42 + He42 + H31
Occhialini e eu decidimos que ele deveria levar algumas
chapas para o Pic-du-Midi, nos Pirineus, para uma exposição
de cerca de um mês; algumas estavam tratadas com bórax, e
algumas eram chapas normais (sem bórax). Todas eram feitas com a
nova emulsão concentrada tipo B1, para a qual já existia
a relação alcance-energia. As placas normais se destinavam
ao uso para estudo de raios cósmicos de baixa energia e como controle,
para ver se estávamos detectando nêutrons nos raios cósmicos.
Quando Occhialini revelou a emulsão depois
de sua recuperação, na mesma noite em que foram recebidas
em Bristol, tornou-se claro que as emulsões tratadas com bórax
tinham muito mais eventos do que as sem bórax; de alguma forma,
o bórax impedia a imagem latente de se esvanecer; as placas normais
tinham um forte esvanecimento. A variedade de eventos nas placas de bórax,
e a riqueza de detalhes, tornou óbvio que a detecção
da energia dos nêutrons era apenas um resultado secundário.
Os eventos normais vistos nas placas eram de um tipo que justificava colocar
todo o esforço do laboratório no estudo dos eventos normais
de raios cósmicos de baixa energia. Depois de alguns poucos dias
de varredura, Marietta Kurz, uma jovem, encontrou um evento não
usual: um méson que parava e, saindo de sua extremidade, um novo
méson com alcance de cerca de 600 m,
todo contido na emulsão. Devo adicionar que os mésons são
facilmente discerníveis de prótons na emulsão que
usamos por causa de seu espalhamento muito maior e sua variação
de densidade de grãos com o alcance. Alguns dias depois, foi encontrado
um segundo méson "duplo"; infelizmente, neste caso, o secundário
não parava ne emulsão, mas podia-se estimar, pelo estudo
de sua ionização (contagem de grãos) que seu alcance
extrapolado era também cerca de 600 m.
O primeiro resultado sobre os mésons duplos foi publicado na revista
Nature (2). Por outro lado,
também foram obtidos nêutrons (direção, energia)
de raios cósmicos nas mesmas chapas, e os resultados foram publicados
no mesmo volume de Nature (3).
Tendo um e meio mésons duplos, que pareciam
corresponder a um processo fundamental (emobra pudesse ter sido uma reação
exotérmica do tipo m– + Xba
® Xba-2 + m+),
o grupo de Bristol percebeu que dever-se-ia obter rapidamente mais eventos.
Fui ao Departamento de Geografia da Universidade de Bristol e encontrei
que havia uma estação meteorológica à altitude
de 18.600 pés, a uns 20 km de estrada da capital da Bolívia,
La Paz. Assim, propus a Powell e Occhialini que se eles conseguissem fundos
para que eu voasse até a América do Sul, eu poderia me encarregar
de expor chapas tratadas com bórax no Monte Chacaltaya durante um
mês. Assim foi feito, e deixei Bristol com várias chapas com
bórax e mais uma pilha de notas de libras suficientes para me levar
ao Rio de Janeiro e para voltar. Ao contrário da recomendação
do professor Tyndall, diretor do H. H. Wills Physical Laboratory,
tomei um avião brasileiro, o que foi uma sábia decisão,
pois o avião britânico caiu em Dakar e matou todos os seus
passageiros.
Depois do tempo combinado, revelei uma chapa em
La Paz. A água não era adequada, e a emulsão ficou
manchada. Mesmo assim, foi possível encontrar um méson duplo
completo nessa chapa; o alcance do secundário era também
cerca de 600 m.
De volta a Bristol, as chapas foram devidamente
processadas e varridas; foram encontrados cerca de 30 mésons duplos.
Foi decidido que eu deveria tnetar obter a razão entre as massas
do primeiro e do segundo méson, por contagem repetida dos traços.
O resultado nos convenceu de que estávamos lidando com um processo
fundamental (4). Identificamos
o méson mais pesado com a partícula de Yukawa e seu secundário
com o mésotron de Carl Anderson. Era necessária uma partícula
neutra de pequena massa para equilibrar os momentos.
No final de 1947, deixei Bristol com uma bolsa de
estudos Rockefeller com a intenção de tentar detectar píons
produzidos artificialmente no cíclotron de 184 polegadas que havia
começado a funcionar em Berkeley, na Califórnia. O feixe
de partículas alfa era de apenas 380 MeV (95 MeV por núcleon),
uma energia insuficiente para produzir píons. Arrisquei a possibilidade
de colisões "favoráveis", nas quais o momento interno de
um núcleon da partícula alfa e o momento do feixe proporcionassem
energia suficiente no sistema de centro-de-massa. Os resultados mostraram
que de fato estavam sendo produzidos mésons. Dois artigos descrevem
o método de detecção e os resultados, o primeiro se
referindo a mésons negativos, e o segundo a positivos
(5). Utilizando o alcance dos píons e sua curvatura
em um campo magnético, foi possível estimar as massas como
aproximadamente 300 massas do elétron.
Em torno de fevereiro de 1949, eu estava me preparando
para deixar Berkeley e retornar ao Brasil. Naquela época, Edwin
McMillan, que tinha colocado em operação o seu síncrotron
de elétrons de 300 MeV, pediu-me para olhar algumas chapas que tinham
sido expostas a raios gama de sua máquina. Em uma noite, encontrei
cerca de uma dúzia de píons, tanto positivos quanto negativos,
e na manhã seguinte entreguei a McMillan as chapas e os mapas que
permitiam encontrar os eventos. Não sei que uso McMillan fez dessa
informação, mas não há dúvidas de que
eles foram os primeiros píons fotoproduzidos artificialmente a serem
detectados.
Notas
1. C.M.G. Lattes, R.H.Fowler, and R.Cuer, "Range-Energy
Relation for Protons and a-Particles in the New Ilford 'Nuclear Research'
Emulsions", Nature 159 (1947), 301-2; C.M.G.Lattes, R.H.
Fowler, and R.Cuer, "A Study of the Nuclear Transmutations of Light Elements
by the Photographic Method", Proc. Phys. Soc. (London) 59
(1947), 883-900. BACK
2. C.M.G.Lattes, H.Muirhead, G.P.S.Occhialini, and
C.F.Powell, "Processes Involving Charged Mesons", Nature 159
(1947), 694-7. BACK
3. C.M.G.Lattes and G.P.S.Occhialini, "Determination
of the Energy and Momentum of Fast Neutrons in Cosmic Rays", Nature
159 (1947), 331-2. BACK
4. C.M.G.Lattes, G.P.S.Occhialini, and C.F.Powell,
"Observation on the Tracks of Slow Mesons in Photographic Emulsions”, Nature
160 (1947) 453-6 and 486-92; C.M.G.Lattes, G.P.S.Occhialini, and
C.F.Powell, "A Determination of the Ratio of the Masses of m–
and p– Mesons by the Method of Grain-Counting",
Proc. Phys. Soc. (London) 61 (1948), 173-83. BACK
5. Eugene Gardner and C.M.G. Lattes, "Production of
Mesons by the 184-Inch Berkeley Cyclotron," Science 107 (1948),
270-1; John Burfening, Eugene Gardner, and C.M.G.Lattes, "Positive Mesons
Produced by the 184-Inch Berkeley Cyclotron", Phys. Rev. 75
(1949), 382-7. BACK
O
artigo contendo a descrição de César Lattes
sobre a descoberta do méson
pi
Você pode obter aqui uma cópia eletrônica
do artigo reproduzido acima, em versão Word for Windows 6.0.
O arquivo clattesp.doc tem 18.0 kB; pode demorar um pouco a ser
transferido pela Internet.
Atenção: Os direitos autorais
deste artigo pertencem ao professor Lattes, e os direitos autorais da tradução
pertencem a Roberto Martins. Nossa biblioteca eletrônica pode fornecer
uma cópia digital do artigo, a qualquer pesquisador individualmente,
sem necessidade de pagamento de direitos autorais, exatamente como uma
biblioteca tradicional (de papel) pode fornecer uma cópia xerox
de um artigo. Qualquer pessoa que obtenha aqui uma cópia do artigo
deve estar ciente de que só tem permissão para utilizar a
cópia fornecida para sua própria pesquisa individual. Qualquer
outro uso é proibido.
Estou ciente das restrições
acima e desejo obter uma cópia do artigo de Lattes.
Primeiramente "clique" a frase acima, depois use
o recurso de "salvar como" de seu navegador para guardar uma cópia
do arquivo (clattesp.doc). O arquivo não está compactado.
Grupo de História, Teoria e Ensino de Ciências
ghtc@ifi.unicamp.br
em 07/Abr/1998