Capítulo 5: O Pensamento Medieval e o Renascentista

O  UNIVERSO

TEORIAS SOBRE SUA ORIGEM E EVOLUÇÃO

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        Depois de uma longa discussão sobre a própria natureza do tempo, Agostinho retorna à questão da criação do universo. Ele interpreta alegoricamente a primeira frase da Bíblia, supondo que o Céu e a Terra criados por Deus inicialmente não são o Céu e a Terra que conhecemos. Também supõe que a primeira frase do Gênesis, “No princípio, Deus fez o Céu e a Terra”, se refere a um princípio antes do primeiro dia da criação. Por que isso não poderia ser uma descrição do Céu e da Terra que conhecemos? Porque o Gênesis afirma, depois, que no segundo dia da criação, Deus fez o firmamento e chamou a região superior de Céu. E o Céu não pode ter sido feito duas vezes. Portanto, existiriam dois Céus referidos na Bíblia.

        O primeiro Céu seria um mundo ideal, próximo a Deus, o mais perfeito possível; a primeira Terra seria algo sem luz, invisível, um abismo, sem forma – uma matéria primordial, a partir da qual todas as coisas vão ser formadas. Essa matéria inicial não teria forma, nem vida, sendo invisível por não ter nenhuma forma definida, não ter ainda nenhum objeto diferenciado nela. Essa matéria, segundo a descrição de Agostinho, seria algo difícil de imaginar, algo entre o nada e aquilo que tem forma, uma “ausência de forma quase vazia”. Portanto, antes do primeiro dia, Deus teria criado a partir do nada, inicialmente, duas coisas: uma próxima a Deus, o Céu divino; e a outra próxima ao nada, distante de Deus.

        Essa “terra invisível e sem forma” é muito semelhante à substância primordial, o ápeiron de Anaximandro ou ao espaço do Timeu. É algo que existe sempre (depois de sua criação), que não está sujeita a surgir ou desaparecer, pois tudo surge ou desaparece a partir ou terminando nessa “terra”. Aquilo que não tem forma não pode mudar de forma e, portanto, está além de toda transformação.

        Quanto ao Céu primordial, que não faz parte do universo sensível e que está próximo a Deus, Agostinho esclarece que se trata de uma criatura intelectual, que participa da eternidade de Deus e que é imutável, estando além do efeito do tempo. É o mundo dos espíritos, dos anjos. Por isso, esse Céu se assemelha ao mundo das idéias de Platão, que está fora do universo sensível e que não sofre mudanças.

        Como o primeiro Céu e a primeira Terra estão fora do tempo e não sofrem mudanças, o tempo só começa a existir quando essa Terra primordial, essa matéria básica, vai adquirindo forma e ordem e surgem então as transformações.

        Muito poderia ainda ser escrito aqui sobre o modo como Agostinho discute os outros dias da criação do universo. Mas essa amostra já permite sentir o estilo de seu pensamento e apresenta os pontos mais difíceis de sua concepção.

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