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Na volta da Índia, a enfermidade reapareceu entre os portugueses:
(...) e mais por adoecerem
os mais deles de lhe incharem as gengivas e lhes apoderecerem assim como
no rio dos bons sinais e faziam-se-lhe medonhas chagas nas pernas e nos
braços de que morreram trinta pessoas e os outros tanto montavam
como mortos que não se podiam bolir, e com isto ia faltando a água
e apertava-se a regra.
Vasco da Gama tinha 148 homens ao partir de Lisboa e retornou com 55. A
maior parte dos 93 mortos pereceu de escorbuto. Como se vê, Castanheda
acreditava tratar-se de uma doença do próprio local ("do
ar daquela região"). João de Barros descreve a enfermidade,
à qual não se dava ainda nenhum nome, e a explica de outra
forma:
Por espaço de
um mês que ali estiveram no corregimento dos navios adoeceu muita
gende, de que morreu alguma. A maior parte foi de erisipela e de lhes crescer
tanto a carne nas gengivas, que quase não cabia na boca dos homens,
e assim como crescia apodrecia, e cortavam dela como em carne morta; coisa
muito piedosa de ver. A qual doença vieram depois a conhecer que
procedia das carnes, pescado salgado, e biscoito corrompido de tanto tempo.
Essa terrível enfermidade foi também descrita por Camões,
nos Lusíadas:
E foi que de doença
crua e feia
A mais que eu nunca vi, desempararam
Muitos a vida, e em terra estranha
e alheia
Os ossos para sempre sepultaram.
Quem haverá que sem o
ver o creia?
Que tão disformemente
ali lhe incharam
As gengivas na boca, que crescia
A carne e juntamente apodrecia.
Apodrecia com fétido e
bruto
Cheiro, que o ar vizinho infeccionava.
Não tínhamos ali
médico astuto,
Surugião sutil menos
se achava:
Mas qualquer neste ofício
pouco instruto
Pela carne já podre assim
cortava
Como se fora morta; e bem convinha,
Pois que morto ficava quem a
tinha.
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