Capítulo 6: Do Período das Grandes Descobertas ao Século XVIII

CONTÁGIO

HISTÓRIA DA PREVENÇÃO DAS DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS

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         Na volta da Índia, a enfermidade reapareceu entre os portugueses: 
(...) e mais por adoecerem os mais deles de lhe incharem as gengivas e lhes apoderecerem assim como no rio dos bons sinais e faziam-se-lhe medonhas chagas nas pernas e nos braços de que morreram trinta pessoas e os outros tanto montavam como mortos que não se podiam bolir, e com isto ia faltando a água e apertava-se a regra.  
         Vasco da Gama tinha 148 homens ao partir de Lisboa e retornou com 55. A maior parte dos 93 mortos pereceu de escorbuto. Como se vê, Castanheda acreditava tratar-se de uma doença do próprio local ("do ar daquela região"). João de Barros descreve a enfermidade, à qual não se dava ainda nenhum nome, e a explica de outra forma:
Por espaço de um mês que ali estiveram no corregimento dos navios adoeceu muita gende, de que morreu alguma. A maior parte foi de erisipela e de lhes crescer tanto a carne nas gengivas, que quase não cabia na boca dos homens, e assim como crescia apodrecia, e cortavam dela como em carne morta; coisa muito piedosa de ver. A qual doença vieram depois a conhecer que procedia das carnes, pescado salgado, e biscoito corrompido de tanto tempo.
        Essa terrível enfermidade foi também descrita por Camões, nos Lusíadas:
E foi que de doença crua e feia
A mais que eu nunca vi, desempararam
Muitos a vida, e em terra estranha e alheia
Os ossos para sempre sepultaram.
Quem haverá que sem o ver o creia?
Que tão disformemente ali lhe incharam
As gengivas na boca, que crescia
A carne e juntamente apodrecia.

Apodrecia com fétido e bruto
Cheiro, que o ar vizinho infeccionava.
Não tínhamos ali médico astuto,
Surugião sutil menos se achava:
Mas qualquer neste ofício pouco instruto
Pela carne já podre assim cortava
Como se fora morta; e bem convinha,
Pois que morto ficava quem a tinha.

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