MARTINS, Roberto
de Andrade. Como distorcer a física: considerações
sobre um exemplo de divulgação científica. 2 –
Física moderna. Caderno Catarinense de Ensino de Física
15 (3): 265-300, 1998.
http://www.ghtc.usp.br/ram-r67.htm
|
COMO DISTORCER A FÍSICA:
CONSIDERAÇÕES SOBRE UM EXEMPLO DE DIVULGAÇÃO
CIENTÍFICA.
2 – FÍSICA MODERNA |
Roberto de Andrade Martins |
Resumo
Este artigo discute a dificuldade de apresentar-se conceitos físicos
corretos em obras de divulgação científica. Apresenta-se
como exemplo uma leitura crítica do livro A dança do universo:
dos mitos de criação ao big-bang, de Marcelo Gleiser,
analisando-se problemas conceituais da abordagem empregada naquela obra.
Mostra-se a existência de grande número de erros, provenientes
de uma utilização descuidada de imagens e comparações,
erros esses que poderiam ter sido evitados. O presente artigo discute a
parte daquela obra referente à física moderna, apenas. A
parte referente à física clássica foi discutida em
um artigo anterior.
I – Introdução
Um artigo anterior já apresentou uma
análise crítica da primeira metade da obra A dança
do universo, de Marcelo Gleiser, como um exemplo de trabalho de divulgação
científica que apresenta grandes limitações, sob o
ponto de vista conceitual. Neste artigo, vamos discutir alguns aspectos
da segunda metade do livro, dedicada à física moderna. Veremos
que também aqui a obra em discussão mostra-se repleta de
equívocos, muitas vezes em pontos conceituais centrais da física.
Como no artigo anterior, vamos procurar evitar comentários sobre
os aspectos de história da ciência ou de epistemologia, concentrando
nossa atenção em questões científicas e didáticas.
|
Este artigo vai apresentar uma discussão crítica
baseada na segunda edição do livro. Para poder acompanhar
a análise aqui apresentada, é conveniente ter à mão
o próprio livro. A primeira edição continha alguns
outros problemas adicionais, que foram corrigidos e que não serão
apontados aqui. No entanto, quem dispuser apenas da primeira edição,
poderá encontrar as falhas aqui discutidas, nas mesmas páginas
indicadas. |
Como já foi dito no artigo anterior, a escolha desta obra em
particular para análise não significa que eu a considere
a pior já escrita, nem que tenha algum problema pessoal com o autor
(que não conheço). Creio que o tipo de análise crítica
aqui apresentada pode ser útil aos estudantes e educadores, e servir
também de alerta a autores e editoras, para que procurem ser mais
cuidadosos em trabalhos desse tipo.
Alguns pontos serão indicados de modo muito resumido, para poupar
espaço. Teria sido possível explicar melhor cada um deles,
mas espero que os leitores possam completar por si próprios a análise
apresentada.
II – Teoria da relatividade especial
Ao descrever a origem da teoria da relatividade, o livro A dança
do universo apresenta uma descrição histórica
pouco fiel, que não será discutida aqui, a não ser
em alguns pontos fundamentais, que afetam a compreensão da própria
natureza científica da teoria da relatividade. Em primeiro lugar,
quanto aos experimentos de Michelson:
Albert Michelson, cujo brilhante experimento, executado com Edward
Morley em 1887, foi fundamental para que se estabelecesse a não-existência
do éter, jamais aceitou seus próprios resultados. O que supostamente
deveria ter sido um mero teste para confirmar a existência do éter
transformou-se num pesadelo. (GLEISER, A dança do universo,
p. 254)
Michelson, como a quase totalidade dos físicos da época,
não colocava em dúvida a existência do éter,
e por isso nunca pensaria em testar a sua existência. O que ele estava
tentando fazer, em seus famosos experimentos, era medir a velocidade da
Terra através do éter, admitindo o modelo de Fresnel de um
éter estacionário (ou seja, que não era arrastado
pela própria Terra). O resultado obtido, contrário à
expectativa, podia ser interpretado de muitos modos diferentes. Michelson
não rejeitou os resultados do experimento, evidentemente, mas adotou
uma interpretação que é diferente da interpretação
relativística, posterior.
Por outro lado, nem o experimento de Michelson e Morley nem qualquer
outro experimento permitem estabelecer a não existência
do éter. Ao contrário do que popularmente se divulga, não
existe nenhuma prova de que o éter não existe: simplesmente
a teoria da relatividade (no sentido de Einstein) adotou o princípio
epistemológico de que não se deve utilizar na física
entes que não sejam observáveis, e assim rejeitou o éter,
porque ele não havia sido detectado em certos experimentos1.
Outras pessoas aceitaram exatamente os mesmos experimentos, mas adotaram
uma interpretação diferente (aceitando o éter), por
utilizarem princípios epistemológicos diferentes (por
exemplo, Poincaré).
|
1 Na verdade, havia experimentos
realizados no século XIX, por Fizeau e por Ångström,
que aparentemente haviam medido a velocidade da Terra em relação
ao éter. Ver MARTINS 1986a. |
O éter não era uma suposição tola: na verdade,
tolice é falar-se sobre um espaço totalmente vazio (MARTINS
1993). No final do século XIX e início do século XX,
o éter preenchia o papel de proporcionar uma explicação
causal para alguns fenômenos físicos (por exemplo, propagação
da luz e dos campos eletromagnéticos), e na versão de Lorentz
e Poincaré permitia uma explicação causal de fenômenos
como a contração dos corpos em movimento (essa contração
seria causada por uma variação das forças eletromagnéticas
entre as partículas do corpo, que, por sua vez, seria causada pelo
movimento através do éter). O aumento de massa de um elétron
era explicado a partir do momento acumulado ao redor do mesmo, no éter,
pelos campos eletromagnéticos. Na versão de Einstein, a teoria
da relatividade prevê os efeitos, mas não se preocupa
em apresentar uma explicação causal dos fenômenos (MARTINS
1981).
Não se pode, portanto, afirmar que "Michelson continuou a acreditar
na existência do éter até o fim de sua vida, mesmo
após a teoria da relatividade de Einstein ter elegantemente demonstrado
que esse meio era completamente desnecessário" (GLEISER, A
dança do universo, p. 254). A teoria de Einstein permitia fazer
deduções sem fazer referência ao éter, mas isso
não indica que o éter era completamente desnecessário.
É bem sabido, aliás, que na década de 1920 Einstein
voltou a aceitar a existência do éter.
Mais adiante, o livro afirma de modo ainda mais forte:
A existência do éter é inconsistente com os dois
postulados de Einstein. (GLEISER, A dança do universo, p.
276)
Errado. A existência do éter é inconsistente com a
visão epistemológica empirista adotada por Einstein quando
formulou a teoria da relatividade especial. Mas os dois postulados (o princípio
da relatividade e o da constância da velocidade da luz) são
perfeitamente compatíveis com a existência do éter,
como se pode ver nas teorias de Poincaré e Lorentz.
O livro apresenta a proposta da contração por Lorentz
e Fitzgerald de um modo ridículo:
Eles queriam salvar o éter a qualquer preço, mesmo que
isso os forçasse a inventar essa bizarra contração
de objetos na direção de seu movimento. Sua proposta não
possuía uma fundação conceitual sólida o suficiente.
(GLEISER, A dança do universo, p. 275)
É verdade que a primeira proposta da contração
foi uma hipótese ad hoc. Mas logo depois a contração
foi integrada a uma teoria sólida, por Lorentz (e, depois, Poincaré)
e explicada a partir da alteração das forças eletromagnéticas
entre as partículas da matéria que se move através
do éter. Além disso, por que chamar de "bizarra" a contração
dos objetos, que foi também adotada na teoria de Einstein e que
aceitamos até hoje?
Voltando à seqüência do livro:
E, como já sabemos, sempre que surgem novas idéias em
física, também surgem novas idéias em cosmologia (...)
(GLEISER, A dança do universo, p. 255)
Ou essa afirmação é entendida em um modo tão
amplo que se torna tautológica, ou então está errada.
O desenvolvimento do eletromagnetismo, no século XIX, não
trouxe contribuições à cosmologia. O desenvolvimento
da física do estado sólido – uma das mais importantes áreas
da física atual – também não trouxe contribuições
à cosmologia.
O livro procura justificar a constância da velocidade da luz a
partir da teoria eletromagnética:
Mas, segundo a teoria de Maxwell, isso seria impossível; uma
onda eletromagnética em repouso simplesmente não existe;
a luz está sempre em movimento. (GLEISER, A dança do universo,
p. 263)
Isso não é verdade. A teoria de Maxwell (isto é, aquilo
que Maxwell fez, e não o que Lorentz fez depois dele) só
era aplicável a referenciais em repouso em relação
ao éter. Não examinava o que aconteceria em outros referenciais.
Suponho que Maxwell aceitaria que, em princípio, um observador poderia
se mover pelo éter com uma velocidade igual à da luz, e acompanhar
uma onda eletromagnética pelo espaço. Podemos mencionar,
por exemplo, que antes do desenvolvimento da teoria da relatividade, Heaviside
utilizou a teoria de Maxwell e argumentou que uma partícula carregada
poderia ter velocidades superiores à da luz no vácuo.
O livro apresenta de um modo confuso o princípio da relatividade:
Esse resultado é resumido no princípio da relatividade,
que diz que as leis da física são idênticas para passageiros
se movendo com velocidades relativas constantes. (GLEISER, A dança
do universo, p. 265)
O princípio da relatividade diz que as leis da física
são idênticas para todos os referenciais inerciais (...) (GLEISER,
A dança do universo, p. 265)
(...) a partir de dois postulados: 1) as leis da física são
as mesmas para observadores movendo-se com velocidade relativa constante;
(...) (GLEISER, A dança do universo, pp. 266-7)
O primeiro postulado é o conhecido princípio da relatividade.
As leis da física são idênticas para todos os referenciais
inerciais. (GLEISER, A dança do universo, p. 267)
É claro que referenciais com velocidade relativa uniforme
não significa a mesma coisa que referenciais inerciais. O
texto oscila entre duas formulações do princípio da
relatividade (da teoria restrita), sem deixar claro o conceito envolvido.
Não se encontra uma discussão do conceito de referencial
inercial, nessa parte do livro, e a conceituação apresentada
no capítulo em que se fala sobre Galileo (GLEISER, A dança
do universo, p. 151: "Esse movimento com velocidade constante é
chamado de movimento inercial", etc.) é inadequada. Dessa
forma, o livro deixa o primeiro postulado da relatividade envolto em uma
profunda confusão conceitual.
Como solução, Einstein sugeriu que a velocidade da luz
no vácuo (espaço vazio) não é como qualquer
outra velocidade, mas é especial; a velocidade da luz é a
velocidade limite de processos causais na Natureza, a velocidade mais alta
com que a informação pode viajar. Mais do que isso, a velocidade
da luz é independente da velocidade da fonte. (GLEISER, A dança
do universo, p. 266)
O que Einstein utilizou como suposição básica (postulado
2) na teoria da relatividade especial foi que a velocidade da luz independe
da velocidade da fonte – uma suposição que já
era aceita antes, a partir da teoria do éter. De fato, se a luz
é uma onda do éter, seu movimento é independente do
movimento da fonte, exatamente como a velocidade do som ou de uma onda
na água não depende da velocidade da fonte do som ou das
oscilações da água.
O conceito de velocidade limite de processos causais não é
uma das suposições básicas da teoria – é uma
conseqüência da teoria, obtida quando se adiciona o princípio
de antecedência das causas – ou seja, que uma causa nunca ocorre
depois do seu efeito (MARTINS 1986b).
III – Dedução dos fenômenos relativísticos
Muitos autores já se esforçaram, ao longo das décadas,
para apresentar deduções extremamente simples das transformações
de espaço e tempo da relatividade especial. O tipo de dedução
que me parece mais simples e conceitualmente correto é o que aparece
(entre outros lugares) nas conferências de Feynman, e que se baseia
em relógios de luz (FEYNMAN et al., The Feynman lectures
on physics, vol. 1, cap. 15). O livro A dança do universo
procurou inovar essas deduções, mas cometeu equívocos
graves.
Quando o livro procura justificar a dilatação temporal
e a contração dos comprimentos (GLEISER, A dança
do universo, p. 269 e seguintes), há um problema físico
não muito óbvio, mas importante. As transformações
usuais entre períodos de relógios, do tipo T = T0.(1–v²/c²)–1/2
são válidas se e somente se o período T0
é um período próprio para um dos referenciais.
Ou seja, ele deve ser o intervalo de tempo entre dois eventos que ocorrem
na mesma posição para um dos dois referenciais. Isso
pode ser confirmado notando-se que a fórmula pode ser deduzida da
quarta transformação de Lorentz se e somente se Dx
for nulo:
t’ = (t–v.x/c²).(1–v²/c²)–1/2 \
\ Dt’ = (Dt–v.Dx/c²).(1–v²/c²)–1/2
Se Dx for diferente de zero, não se pode
concluir Dt’ = Dt.(1–v²/c²)–1/2.
Por isso, os eventos que marcam o início e o fim do período
T0 devem ocorrer exatamente na mesma posição.
Assim, nas deduções que se encontra normalmente em livros
sobre teoria da relatividade especial, utiliza-se um relógio de
luz em que a luz parte de um ponto, é refletida por um espelho
e volta ao ponto de partida. Esse é um relógio relativístico
válido, exatamente porque o intervalo de tempo é próprio.
Com esse tipo de relógio, pode-se deduzir as equações
aceitas da teoria da relatividade especial. No entanto, em A dança
do universo, o relógio de luz é diferente: o período
do relógio é o tempo entre a reflexão do pulso de
luz no espelho inferior ("tique") e a reflexão do mesmo pulso no
espelho superior ("taque"):
Quando o pulso de luz bate no espelho inferior, ouvimos um "tique",
e, quando o pulso bate no espelho superior, ouvimos um "taque". Antes de
o relógio de luz ter sido posto no trem, o observador A mediu o
intervalo de tempo entre um "tique" e um "taque", chamando-o de T0.
(GLEISER, A dança do universo, p. 269)
Esse intervalo de tempo impróprio não se transforma
como o período dos relógios relativísticos usuais.
Outro ponto é que o livro introduz um som, na análise:
o observador ouve os "tiques" e "taques". Mas o som demora um certo
tempo (muito maior do que o período) para se propagar até
o observador, e isso teria que ser levado em conta, o que complicaria extremamente
a análise quantitativa, se ela fosse feita. Qualitativamente, isso
complica muito a compreensão do fenômeno estudado. É
muito mais fácil tratar de dois eventos que ocorram no mesmo
ponto (duas reflexões sucessivas da luz no espelho superior
ou no inferior), o que elimina qualquer necessidade de introduzir
o som ou outro sinal difícil de ser analisado.
No primeiro uso que o livro A dança do universo faz do
relógio de luz (dilatação dos períodos dos
relógios), o erro conceitual não introduziria nenhum problema
em uma dedução quantitativa: pode-se chegar à fórmula
correta (basicamente porque, embora o "tique" e o "taque" ocorram em dois
pontos diferentes, o Dx é igual a zero).
Mas na segunda análise, em que o relógio é colocado
"deitado" (na direção do movimento), o "tique" e o "taque"
ocorrem em posições diferentes ao longo do eixo do movimento,
e existe um Dx diferente de zero que introduz
um grande problema. O raciocínio apresentado para justificar a contração
dos comprimentos está errado:
Entretanto, na presente situação, o pulso de luz tem
de viajar uma distância bem mais longa, já que ele não
só deve cobrir a distância entre os dois espelhos, mas também
deve "alcançar" o espelho, que está se movendo para o leste
( ® ). Como a luz viaja sempre com a
mesma velocidade, a única explicação para o intervalo
de tempo ser o mesmo que antes é que a distância entre os
dois espelhos encolheu, ou seja, d’ é menor do que d
(ver figura 7.5). Os objetos se contraem na direção de seu
movimento! (GLEISER, A dança do universo, pp. 271-2)
Esse raciocínio está errado. Se ele for utilizado para
deduzir quantitativamente a contração dos comprimentos, a
conclusão será que o comprimento do relógio se contrairia
de acordo com a relação L = L0.(1–v²/c²)
e não de acordo com a fórmula correta, L = L0.(1–v²/c²)1/2
(deixo a dedução para o leitor). Além disso (e muito
pior do que isso!), se o relógio do livro for invertido,
de tal modo que a luz caminhe para a esquerda ( ¬
) entre o "tique" e o "taque", a conclusão teria que ser oposta,
ou seja, adaptando-se o texto anteriormente citado do livro:
Entretanto, na presente situação, o pulso de luz tem
de viajar uma distância bem mais curta, já que ele
não só deve cobrir a distância entre
os dois espelhos, mas também deve "ser alcançado" pelo
espelho, que está se movendo para o oeste ( ¬
). Como a luz viaja sempre com a mesma velocidade, a única
explicação para o intervalo de tempo ser o mesmo que antes
é que a distância entre os dois espelhos aumentou,
ou seja, d’ é maior do que d (ver figura 7.5).
Os objetos se dilatam na direção de seu movimento!
Na verdade, nada pode ser concluído desse modo. É necessário
considerar o tempo de ida e volta, e fazer os cálculos, para
poder concluir que há contração do comprimento.
Na dedução correta, utiliza-se luz que caminha nos dois
sentidos, indo e voltando. O tempo de ida é L/(c–v) e o tempo de
volta é L/(c+v); o tempo total é T=2Lc/(c²–v²)
= (2L/c)/(1–v²/c²). Como o período próprio é
T0=2L0/c, e como a transformação do
período é T=T0.(1–v²/c²)–1/2,
deduz-se daí a relação correta para a contração
do comprimento.
IV – Outros aspectos da relatividade
Ao tentar exemplificar os efeitos relativísticos, o livro menciona
os raios cósmicos, que são assim descritos:
Raios cósmicos são "chuveiros" de pequenas partículas
de matéria que atravessam nossa atmosfera, provenientes do espaço.
(GLEISER, A dança do universo, p. 273)
RAIOS CÓSMICOS: "Chuveiros" de partículas que penetram
em nossa atmosfera, provenientes do espaço. (GLEISER, A dança
do universo, p. 406)
Errado. Os raios cósmicos podem produzir "chuveiros" de partículas,
mas não são chuveiros. Não é apenas
na Terra que existem raios cósmicos, eles também existem
na Lua, em Marte, no espaço interestelar, etc. Para não ficar
uma coisa confusa, teria sido conveniente diferenciar claramente entre
raios cósmicos primários e secundários.
Quando os raios cósmicos (na maioria prótons) atingem
os átomos nas camadas superiores de nossa atmosfera, eles produzem,
entre outros fragmentos, uma partícula chamada múon,
um primo pesado do elétron. (GLEISER, A dança do universo,
p. 273)
Está errado. Os raios cósmicos primários são,
em sua maioria, prótons, os secundários não
são. Os prótons colidem com átomos da atmosfera, e
nessas colisões são produzidas geralmente muitas partículas,
que dependem da energia dos prótons. Nunca são produzidos
múons diretamente nessas colisões, e os múons de modo
nenhum podem ser chamados de "fragmentos" dos prótons. Os múons
que observamos na radiação cósmica são o resultado
da desintegração de mésons pi (ou píons), que
por sua vez podem ser produzidos na interação dos prótons
primários com átomos da atmosfera, como foi descoberto por
um físico brasileiro, César Lattes, 50 anos atrás,
e como todos os brasileiros deveriam saber.
O livro contém muitas frases de efeito, como a seguinte:
Efeitos aparentemente estranhos, como a contração espacial
ou a dilatação temporal, surgem ao olharmos para a realidade
física com as lentes distorcidas do espaço e tempo sensoriais
da física newtoniana. (GLEISER, A dança do universo,
p. 276)
Esses efeitos não têm relação com o espaço
e o tempo sensoriais. São efeitos associados aos processos de medida
do espaço e do tempo, fundamentados na teoria da relatividade especial,
e não na física newtoniana. O espaço e tempo sensoriais,
como o próprio nome diz, dependem de nossa estrutura fisiológica,
e não de Newton (já existiam antes que Newton tivesse nascido,
suponho).
A verdadeira arena em que os fenômenos físicos ocorrem
é o espaço-tempo quadridimensional da relatividade especial,
onde as distâncias são as mesmas para todos os observadores
inerciais. (GLEISER, A dança do universo, p. 276-7)
O leitor pode ser levado a pensar que não existe contração
dos comprimentos, quando se considera o espaço-tempo. Mas a contração
dos comprimentos continua a existir. É um novo conceito,
o de intervalo relativístico Ds (uma
combinação entre intervalo de tempo e distância, Ds²
= Dx² + Dy²
+ Dz² – c².Dt²),
que é invariante. O texto não deixa isso claro.
3) massa e energia podem ser convertidas entre si (GLEISER, A dança
do universo, pp. 251)
A "conversão" de massa em energia (ou vice-versa) é um conceito
problemático, embora infelizmente apareça em enorme número
de obras. Pode-se converter energia cinética em energia potencial,
no sentido de que uma delas vai diminuindo, e vai surgindo uma quantidade
equivalente da outra. Converter massa em energia significaria, de modo
equivalente, que haveria fenômenos em que a massa iria desaparecendo
e iria surgindo uma quantidade equivalente de energia, ou vice-versa. Isso
não ocorre. Afirmar a conversão de massa em energia é
o mesmo que partir da equação E=hn
e afirmar que a energia pode ser convertida em freqüência, ou
vice-versa.
Há uma relação entre massa e energia, de
tal modo que quase sempre elas são proporcionais. As exceções
são os casos em que um sistema extenso está submetido a pressões
e tensões externas, e o caso da energia potencial eletromagnética,
à qual não se pode associar uma massa (ver MARTINS 1989).
Por exemplo: um elétron dentro de um Van de Graaf pode ter uma energia
potencial positiva ou negativa muitas vezes superior à sua energia
de repouso, mas isso não afeta seu comportamento dinâmico,
ou seja, não afeta sua massa.
A massa é uma forma de energia, a famosa equação
E = mc². (...) De modo a acomodar esse fato óbvio, Einstein
propôs que a massa de um objeto aumenta com a sua velocidade, tendendo
a um valor infinito à medida que ele se aproxima da velocidade da
luz (...) (GLEISER, A dança do universo, p. 277)
"A massa é uma forma de energia" é outra afirmação
incorreta. A energia cinética, a energia potencial gravitacional,
a energia química, a energia térmica, etc., são formas
de energia. A massa não é.
A relação entre massa e velocidade não foi deduzida
da relação E = mc² – ela é mais antiga, e vem
do estudo do momento do campo eletromagnético em torno de uma carga
em movimento. Antes de 1905, a relação entre massa e velocidade
já havia sido deduzida e testada experimentalmente (ver MARTINS
1989).
Em outras palavras, nenhum objeto com extensão espacial e com
massa pode atingir a velocidade da luz. Ela é, mesmo que as histórias
de ficção científica insistam em afirmar o contrário,
a velocidade mais alta da Natureza. (GLEISER, A dança do universo,
p. 277)
Seria conveniente ser um pouco mais cauteloso. Os táquions, por
exemplo, não são inconsistentes com a teoria da relatividade
(MARTINS 1986b). Na página seguinte do livro, encontra-se uma advertência
de Whitehead que o próprio autor deveria levar em consideração:
"Qual será o absurdo de hoje que será a verdade de amanhã?"
V – Teoria quântica
O capítulo seguinte do livro introduz a problemática da
teoria quântica com uma discussão sobre a cor da luz emitida
por um corpo aquecido:
No entanto, até o início do século XX (...) Para
piorar ainda mais as coisas, ninguém sabia por que certos objetos,
como, por exemplo, uma barra de metal ou filamentos usados em lâmpadas,
emitem luz de cores diferentes quando aquecidos a temperaturas diferentes.
(GLEISER, A dança do universo, p. 278)
Num forno realmente potente, a barra metálica se tornaria cada
vez mais amarelada, até que, a temperaturas extremamente altas,
ela emitiria uma luz azulada. (...) A física clássica podia
explicar esse fenômeno combinando argumentos da termodinâmica
e do eletromagnetismo de Maxwell. Se a barra metálica é feita
de cargas elétricas que podem vibrar (ainda não existia um
modelo do átomo!), quanto mais quente a barra, mais rapidamente
as cargas vibram, emitindo radiação de freqüência
cada vez mais alta. (GLEISER, A dança do universo, p. 279)
É claro que essas duas citações se contradizem, pois
a primeira afirma que não se conseguia explicar a variação
de cores, e a segunda diz que era possível explicá-la. Na
verdade, já existia uma explicação (dada por Wien),
diferente da apresentada no livro.
A segunda citação diz que "a barra metálica se
tornaria cada vez mais amarelada, até que, a temperaturas extremamente
altas, ela emitiria uma luz azulada", o que não está correto.
A barra se tornaria mais amarelada, depois branca, e depois (se
não derretesse) ficaria azulada. Na verdade, nenhum sólido
conhecido pode atingir temperaturas tão altas (e nenhum forno, também).
A física clássica explicava o deslocamento das freqüências
luminosas em função da temperatura, mostrando que a freqüência
do máximo de intensidade devia ser proporcional à temperatura
absoluta. A explicação não dependia do eletromagnetismo
– era puramente termodinâmica.
A explicação dada no livro ("quanto mais quente a barra,
mais rapidamente as cargas vibram") está incorreta, sob o ponto
de vista da física clássica. Admitindo-se cargas elétricas
que oscilam (como foi feito primeiramente por Lorentz e, depois, por Planck),
a freqüência de oscilação seria uma característica
fixa de cada oscilador (demonstra-se em qualquer livro de mecânica
que a freqüência de um oscilador harmônico independe de
sua energia), e não poderia aumentar com a temperatura. O que mudaria
com a temperatura seria a amplitude das vibrações,
e a distribuição de energia pelos osciladores.
CORPO NEGRO: Um objeto capaz de absorver radiação perfeitamente.
Kirchhoff mostrou que o interior de uma cavidade oca pode imitar um corpo
negro. (GLEISER, A dança do universo, p. 400)
Já que uma superfície perfeitamente absorvente é
negra, enquanto uma superfície perfeitamente refletora é
branca, a cavidade de Kirchhoff, que absorvia todo o calor que recebia
mas não emitia nenhum*, foi chamada de corpo
negro. (GLEISER, A dança do universo, p. 281)
|
* As palavras em negrito nesta
e em outras citações do livro foram enfatizadas pelo autor
do presente artigo. |
Errado. Um absorvedor ideal é também um emissor ideal,
conforme provado por Kirchhoff através de argumentos termodinâmicos.
Um pequeno orifício conectado a uma cavidade aquecida emite mais
radiação do que qualquer tipo de superfície, à
mesma temperatura.
De modo a estudar as propriedades da radiação no interior
da cavidade, Kirchhoff fez um pequeno orifício numa de suas paredes,
permitindo que um pouco de radiação "vazasse" para o exterior.
(GLEISER, A dança do universo, p. 281)
Errado. Kirchhoff não fez orifício nenhum, ele simplemente
analisou quais seriam as propriedades de um corpo negro dotado de
um orifício. Tratava-se de um trabalho teórico, conceitual,
e não de um experimento de furar um corpo oco.
Ao descrever a descoberta dos raios X, o livro apresenta uma figura
errônea, sob os pontos de vista histórico e físico
(GLEISER, A dança do universo, p. 289, fig. 8.3).

Nos tubos de raios catódicos utilizados inicialmente por Röntgen
e outros pesquisadores para produzir raios X, o ânodo não
ficava na frente do cátodo, e sim ao lado. O feixe de raios catódicos
que saia do cátodo caminhava em linha reta e atingia o vidro do
tubo. O desenho apresenta um esquema de uma bateria ligada ao tubo
de descarga, produzindo os raios X. Isso é impossível, pois
somente com altas voltagens (milhares de volts) é possível
produzir-se raios X. Por isso, Röntgen e os pesquisadores da época
utilizavam bobinas de indução, capazes de produzir uma diferença
de potencial de dezenas (às vezes centenas) de milhares de volts.
A descrição da descoberta da radioatividade apresenta
também inúmeros problemas.
Um ano após a descoberta de Röntgen, o físico francês
Henri Becquerel resolveu investigar se a luz do Sol podia fazer com que
certos materiais se tornassem fosforescentes. (GLEISER, A dança
do universo, p. 291)
Além de ser uma informação histórica incorreta
(MARTINS 1990), isso não faz sentido sob o ponto de vista científico.
Os corpos fosforescentes são exatamente os que permanecem luminosos
durante algum tempo, no escuro, após serem submetidos à luz
do Sol ou a outra luz forte. Isso era conhecido por todos, e Becquerel
e seu pai eram especialistas em luminescência. O que Becquerel estava
procurando, um mês após a descoberta de Röntgen, era
se os materiais fosforescentes podiam emitir raios X (ver MARTINS 1997).
Passando à teoria quântica, aparecem conceitos não
muito corretos, como por exemplo:
A órbita mais próxima do núcleo, a mais interna,
é chamada de estado fundamental do átomo de hidrogênio.
(GLEISER, A dança do universo, p. 295)
Não é a órbita que se chama de estado fundamental.
O estado fundamental do átomo de hidrogênio é o seu
estado mais estável, em que ele possui a menor energia possível,
e não pode emitir radiação Isso ocorre (na antiga
teoria de Bohr) quando o seu elétron se encontra na órbita
mais interna. No entanto, mesmo quando a idéia das órbitas
eletrônicas caiu, continuou sendo possível utilizar o conceito
de estado fundamental, justamente porque ele não é definido
em função de uma órbita e sim de um estado de energia
mínima.
[Bohr] ... sabia que, quanto mais perto o elétron estava do
núcleo, mais forte seria a atração elétrica
entre os dois. Portanto, o elétron no estado fundamental
precisa de energia extra para mover-se até uma órbita mais
elevada (um "estado excitado"), mais distante do núcleo. (GLEISER,
A dança do universo, p. 295)
Novamente, órbita não é estado. Mas
há um problema físico mais grave, aqui. O "portanto" está
relacionando duas coisas que não estão associadas de forma
correta. O elétron precisa de energia extra para se afastar do núcleo
se e somente se a força entre o elétron e o núcleo
for atrativa. Mesmo se a força não aumentasse com a proximidade
(se ela fosse constante, ou se diminuísse para pequenas distâncias),
desde que ela fosse atrativa, seria necessário fornecer energia
para afastar o elétron do núcleo. Há muitos outros
pontos no livro em que também são afirmadas relações
lógicas inexistentes.
Referindo-se à teoria do átomo de Bohr, o livro comenta:
Finalmente, o mistério por trás dos espectros dos elementos
fora desvendado! (GLEISER, A dança do universo, p. 296)
Essa frase dá a impressão de que Bohr chegou à explicação
que é aceita até hoje (o que não é verdade).
A noção de que uma realidade objetiva existe independentemente
da presença de um observador, parte fundamental da descrição
clássica da Natureza, tem de ser abandonada. (GLEISER, A dança
do universo, p. 299)
Se isso fosse verdade, não seria possível aplicar a Física
ao estudo de fases do universo nas quais não havia observadores
e a própria cosmologia seria impossível. A interpretação
acima colocada da teoria quântica não se coaduna com a prática
científica, que é realista.
A energia da órbita eletrônica tem uma correspondência
unívoca com o número de nós da onda estacionária:
quanto maior o número de nós, maior a distância entre
a órbita e o núcleo. (GLEISER, A dança do universo,
p. 302, legenda da fig. 8.5)
O texto dá ao leitor a impressão de que a teoria de De Broglie
é geométrica e fácil de ser entendida: precisa-se
de mais espaço para colocar mais nós, por isso as órbitas
maiores são as que possuem mais nós. Não é
essa a idéia de De Broglie. Na teoria que ele formulou, o que existe
é uma relação direta entre o comprimento de onda associado
ao elétron e o seu momento (p=h/l). Se
considerarmos dois átomos hidrogenóides diferentes, não
haverá uma correspondência unívoca entre o número
de nós e a energia da órbita correspondente, nem entre o
número de nós e a distância ao núcleo.
Em relação à interpretação da teoria
quântica, o livro afirma:
4) não podemos determinar se os constituintes fundamentais
da matéria são ondas ou partículas, a famosa "dualidade
onda-partícula"; 5) ao observarmos um sistema físico influenciamos
seu comportamento; não existe mais uma separação clara
entre observador e observado; [...] 7) não podemos determinar a
localização de um objeto – apenas afirmar a probabilidade
de ele estar aqui ou ali. Ou seja, devemos abandonar uma descrição
estritamente determinista dos fenômenos naturais, pelo menos na escala
atômica. (GLEISER, A dança do universo, pp. 251-2)
Com relação aos pontos relativos à mecânica
quântica, é sempre conveniente diferenciar entre a interpretação
tradicional (Copenhagen) da teoria, e aquilo que a própria teoria
permite dizer. Por outro lado, mesmo dentro da interpretação
tradicional, é necessário tomar certos cuidados. Tanto na
física clássica quanto na física quântica, ao
observarmos um sistema físico estamos influenciando seu comportamento.
A diferença principal é que, na física clássica,
supõe-se a possibilidade de reduzir-se indefinidamente ou calcular
e compensar exatamente as perturbações introduzidas – e isso
é impossível na física quântica, onde as perturbações
possuem um mínimo correspondente ao quantum de ação,
e não podem ser reduzidas indefinidamente nem compensadas. Em um
outro sentido, é o arranjo experimental que determina a natureza
daquilo que vai ser observado (por exemplo: se vamos tentar localizar um
elétron, ou medir seu momento), e na teoria quântica há
limitações para a medida simultânea de duas grandezas
canonicamente associadas. Já a idéia da impossibilidade de
separar o observador daquilo que está sendo observado é uma
forma um pouco forte demais de representar o conteúdo da teoria
quântica.
Dentro da teoria quântica, ao contrário do que afirma o
livro, podemos determinar a posição de um elétron,
por exemplo, com a precisão que quisermos. O que não é
possível é determinar ao mesmo tempo uma coordenada
e o momento conjugado.
VI – Relatividade geral e princípio de equivalência
A apresentação que o livro faz da relatividade geral também
introduz noções problemáticas.
6) a presença de matéria deforma a geometria do espaço
e altera o fluxo do tempo (GLEISER, A dança do universo,
pp. 251-2)
A presença da matéria, na relatividade geral, altera as propriedades
do espaço-tempo, mas é importante complementar afirmando
que mesmo no vácuo o espaço-tempo pode estar também
deformado – ou seja, as alterações produzidas pela matéria
não estão restritas ao local onde a própria matéria
está.
(...) os efeitos da matéria sobre a geometria do espaço
ou sobre o fluxo do tempo são desprezíveis para objetos mais
leves do que estrelas. (GLEISER, A dança do universo, p.
252)
Errado. O campo gravitacional da Terra é perfeitamente observável
por todos nós, que temos peso e observamos objetos caindo, e esse
campo, na teoria da relatividade geral, é interpretado como uma
deformação do espaço-tempo produzida pela matéria
terrestre. Se o espaço-tempo nas proximidades da Terra não
fosse significativamente alterado, os corpos se moveriam em linha reta,
e não em trajetórias curvas.
Há efeitos gravitacionais, previstos pela relatividade geral,
que são muito pequenos e difíceis de se detectar sem se utilizar
campos mais fortes, como os das estrelas (por exemplo, deflexão
da luz). No entanto, mesmo no campo terrestre, é possível
detectar-se, por exemplo, o efeito do desvio para o vermelho (em experimentos
de laboratório, sem observar estrelas), e portanto, ao contrário
do que afirma o livro, os efeitos sobre o fluxo do tempo não são
desprezíveis.
Ao tentar introduzir a necessidade de uma generalização
da teoria da relatividade especial no tratamento da gravidade, o livro
afirma:
Já que a força gravitacional produz movimento uniformemente
acelerado, uma extensão do princípio da relatividade deveria
incorporar de algum modo a gravidade. (GLEISER, A dança do universo,
p. 320)
Non sequitur. Dentro de um capacitor de placas paralelas, o campo
elétrico produz um movimento uniformemente acelerado em uma carga
elétrica. Será que daí se segue que "uma extensão
do princípio da relatividade deveria incorporar de algum modo a
eletricidade"?
O princípio de equivalência da relatividade geral é
usualmente introduzido por meio de exemplos de um elevador acelerado ou
em queda livre, mas o livro em discussão apresenta várias
idéias incorretas, ao falar sobre isso:
Quanto mais rapidamente o elevador descer, mais leve você se
sentirá. (GLEISER, A dança do universo, p. 321)
Errado. Em qualquer curso de física geral, aprende-se que o peso
aparente de uma pessoa dentro de um elevador não depende da velocidade
do elevador, e sim de sua aceleração (ver, por exemplo,
HALIDAY et al. Fundamentos da física vol. 1, pp. 86-7).
Esteja o elevador subindo ou descendo, depressa ou devagar, se a velocidade
for constante, o peso será o mesmo.
O mesmo erro aparece depois:
Imagine um elevador subindo; a aceleração extra do elevador
faz com que você se sinta mais "pesado", ou seja, ela aumenta a força
gravitacional que você sente. (GLEISER, A dança do universo,
p. 323)
Aceleração não é sinônimo de velocidade.
O elevador pode estar subindo e mesmo assim a pessoa pode se sentir mais
leve (se a velocidade estiver diminuindo).
Por exemplo, no interior do elevador em queda livre não existe
gravidade, e, portanto, não existe aceleração; objetos
que se movem com velocidade constante no elevador continuarão a
mover-se com velocidade constante se o elevador estiver em queda livre.
Se eles estavam inicialmente em repouso entre si, irão permanecer
em repouso. Em outras palavras: dentro do elevador em queda livre, os princípios
da relatividade especial são perfeitamente válidos. (GLEISER,
A dança do universo, p. 321)
É preciso deixar claro que existe uma diferença entre uma
região estudada e o referencial utilizado. No interior do elevador
existe ou não gravidade, dependendo do referencial. Para um referencial
parado em relação ao solo, tudo o que está dentro
do elevador está caindo, de modo acelerado, por causa da ação
da gravidade. Esse mesmo fenômeno, em relação a um
referencial parado em relação ao próprio elevador,
é descrito de um modo diferente: nenhum dos objetos dentro do elevador
está acelerado em relação ao elevador.
A frase "objetos que se movem com velocidade constante no elevador continuarão
a mover-se com velocidade constante se o elevador estiver em queda livre"
parece não ter sentido. Os objetos já estavam se movendo
com velocidade constante antes que o elevador estivesse em queda livre?
Eles não sofriam a aceleração da gravidade?
"Em outras palavras: dentro do elevador em queda livre, os princípios
da relatividade especial são perfeitamente válidos" – isso
não é correto. Trata-se de outro exemplo em que o livro afirma
uma conexão lógica inexistente. Aquilo que precede essa frase
não permite concluir que o princípio da relatividade e o
princípio da constância da velocidade da luz são válidos
em relação ao referencial do elevador (e que não são
válidos em relação a outro referencial). A única
coisa que foi mostrada foi que os corpos, em relação ao referencial
do elevador em queda livre, parecem não estar sujeitos a forças
externas, e que se movem de modo aparentemente inercial. Como o livro não
esclareceu o conceito de referencial inercial, não dá para
conectar isso com a relatividade especial.
(...) para um observador no interior de uma cabine (como um elevador,
por exemplo), sem contato com o mundo exterior, seria impossível
distingüir entre a aceleração causada pela gravidade
e a aceleração causada por qualquer outra força. (GLEISER,
A dança do universo, pp. 321-2)
Esta frase está incorreta. É claro que é possível
distinguir, por exemplo, a aceleração causada pela gravidade
e a aceleração causada por um campo elétrico: a primeira
é igual para todos os corpos, a segunda é diferente para
corpos com diferentes razões entre carga elétrica e massa.
O que o autor deveria dizer é que seria impossível distingüir
entre um campo gravitacional e os efeitos produzidos pela aceleração
uniforme da própria cabine, em uma região desprovida de campo
gravitacional.
Qualquer campo gravitacional pode ser simulado por um referencial
acelerado. (GLEISER, A dança do universo, p. 323)
Isso só vale para campos gravitacionais uniformes, ou para campos
em uma região infinitesimal do espaço: é impossível
simular um campo que varia de ponto para ponto, como o da Terra, por um
referencial acelerado. Na prática, pode-se distinguir os campos
gravitacionais reais de um campo fictício gerado por aceleração
do referencial, medindo-se as forças de maré, ou seja, a
variação da aceleração com a posição
no espaço. Isso pode ser feito com uma balança de Eötvös,
por exemplo.
Enquanto você executava os experimentos, seus amigos iriam observá-lo
do ponto de vista de um referencial inercial (velocidade constante). (GLEISER,
A dança do universo, p. 325)
Referencial inercial significa o mesmo que velocidade constante? Velocidade
constante em relação a quê? Isso não é
o conceito correto de referencial inercial.
Assim que você joga a bola, sua espaçonave começa
a acelerar para cima. Portanto, mesmo que você e a cabine sofram
uma aceleração para cima, a bola, que não estava mais
em contato com você ou com a cabine, não sofre nenhuma aceleração.
(GLEISER, A dança do universo, p. 325)
O texto transmite a impressão errônea de que, se a bola fosse
jogada depois que a aceleração começasse, o
resultado seria diferente. Não é por ter sido jogada antes
que a bola não sofre nenhuma aceleração. Mesmo se
a espaçonave já estivesse acelerada, quando a bola fosse
jogada, ela não teria aceleração, em relação
a um referencial inercial.
DESVIO GRAVITACIONAL PARA O VERMELHO: A amplificação
do comprimento de onda da radiação emitida na presença
de um campo gravitacional não uniforme. (GLEISER, A dança
do universo, p. 400)
O termo "amplificação" (também usado na pág.
328) não é adequado (é utilizado em física
no sentido de aumento de intensidade, e não de mudança de
comprimento de onda). Por que não usar simplesmente "aumento"? Por
outro lado, o desvio gravitacional para o vermelho não pode ser
descrito como um aumento de comprimento de onda da radiação
emitida na presença de um campo gravitacional. Trata-se de
um aumento de comprimento de onda que ocorre quando a radiação
passa de uma região do espaço para outra que esteja a um
potencial gravitacional mais alto do que a primeira. É um
efeito relacional, e não local. Nenhuma das duas regiões
precisa ter um campo gravitacional presente. Nem sempre que há campo
gravitacional há desvio para o vermelho: pode haver desvio para
o azul – quando a luz passa para um ponto de menor potencial gravitacional
– ou não haver desvio – quando a radiação se desloca
perpendicularmente ao campo gravitacional. No corpo do livro, também
está errado:
Ele propôs que, sob a ação de campos gravitacionais
intensos, as fontes de radiação eletromagnética, isto
é, cargas elétricas vibrando em algum material, teriam seus
comprimentos de onda afetados; quanto mais forte o campo, maior o comprimento
de onda, como se o campo estivesse esticando as ondas eletromagnéticas
produzidas. (GLEISER, A dança do universo, pp. 327-8)
Fontes de radiação não possuem comprimentos de onda.
Mas o ponto principal é que, como já foi indicado acima,
não é a existência de um campo, nem a circunstância
de que ele seja forte, que altera o comprimento de onda. O comprimento
de onda muda quando a onda passa de uma região para outra. Em qualquer
ponto do campo, por mais forte que este seja, uma medida local da radiação
emitida naquele mesmo ponto indicará sempre o mesmo comprimento
de onda.
Há um outro ponto problemático. Neste ponto do livro,
após falar sobre a teoria quântica, o autor já não
deveria mais associar emissão de radiação eletromagnética
com vibração de cargas elétricas. No entanto, o livro
continua a utilizar esse modelo clássico:
(...) na presença de campos gravitacionais intensos, os átomos
vibram mais lentamente (menor freqüência), conseqüentemente
produzindo ondas de maior comprimento. Como as freqüências vibracionais
atômicas são extremamente regulares, podemos considerar os
átomos como sendo pequenos relógios, batendo de modo furiosamente
rápido. (GLEISER, A dança do universo, p. 328)
Na visão quântica, a freqüência da luz não
tem nada a ver com uma freqüência de vibração
dos átomos. Ela está associada apenas à variação
de energia do átomo, pela relação n
= DE/h. No Glossário, onde deveriam aparecer os conceitos
científicos atualizados, encontramos:
RADIAÇÃO ELETROMAGNÉTICA: Radiação
emitida por cargas elétricas quando em movimento acelerado. (GLEISER,
A dança do universo, p. 406)
Errado. A radiação gama, por exemplo, não é
emitida em um processo de aceleração de cargas, de acordo
com aquilo que se conhece. A luz emitida por um átomo não
é mais interpretada como o resultado de aceleração
de cargas elétricas. A freqüência da luz não é
um efeito de elétrons vibrando dentro do átomo.
O desvio para o vermelho é, portanto, equivalente a uma diminuição
no ritmo dos relógios: os campos gravitacionais afetam o fluxo do
tempo, ou seja, quanto mais forte o campo, mais lento o fluxo! (GLEISER,
A dança do universo, p. 328)
Novamente: o ritmo dos relógios não é uma função
do campo gravitacional e sim do potencial gravitacional. Suponhamos uma
esfera material oca, de grande massa. No interior dessa esfera oca, o campo
gravitacional da esfera é nulo. No entanto, comparado com um relógio
distante, um relógio no interior dessa esfera oca terá um
ritmo mais lento. Também no caso de um campo gravitacional razoavelmente
uniforme, para dois pontos localizados a diferentes alturas os ritmos dos
relógios serão diferentes, mesmo se os campos forem iguais
nesses dois pontos.
VI – Espaços não euclidianos
O conceito de espaço-tempo curvo é fundamental na teoria
da relatividade geral, mas desde sua introdução o livro se
enreda em dificuldades:
(...) em vez de afirmarmos que o campo gravitacional defletiu a trajetória
do raio luminoso, podemos igualmente afirmar que o raio luminoso seguiu
uma trajetória curva porque o próprio espaço
era curvo! A trajetória curva é o caminho mais curto possível
nessa geometria deformada. (GLEISER, A dança do universo,
p. 330)
Há problemas nesse tipo de interpretação simplificada.
Pode-se dizer que o raio luminoso seguiu uma trajetória curva porque
o espaço-tempo era curvo. A luz não percorre
o caminho mais curto possível no espaço (tridimensional)
e sim o menor intervalo relativístico no espaço-tempo. Se
dissermos que o próprio espaço é curvo e que a luz
segue uma trajetória curva por causa disso, não poderemos
entender por qual motivo a trajetória de cada tipo de coisa vai
ser diferente (uma pedra, uma bala de revólver e a luz terão
trajetórias diferentes, quando lançados do mesmo ponto, na
mesma direção). Todos teriam que ser canalizados na mesma
trajetória, pelo espaço curvo, se a explicação
do livro fosse a correta.
A mesma afirmação incorreta de que tudo se reduz a utilizar
espaços curvos reaparece em vários pontos (ver, por
exemplo, pág. 332).
Sabemos que a superfície da mesa é plana porque podemos
vê-la "de fora", ou seja, de um ponto de vista tridimensional. Para
vermos um espaço plano de três dimensões, precisaríamos
existir num espaço de quatro dimensões. (GLEISER, A dança
do universo, p. 331)
Qualquer superfície bidimensional pode ser considerada como embebida
em um espaço euclidiano de três dimensões. Qualquer
espaço (Riemanniano) de três dimensões pode ser considerado
embebido em um espaço euclidiano de seis dimensões
(e não quatro). Na verdade, teríamos que "existir" em um
espaço de seis dimensões para poder "ver" diferentes espaços
de três dimensões e perceber se eles são "planos" (chatos)
ou não.
Imagine uma superfície elástica bem grande, como as
usadas em camas elásticas, que foi cuidadosamente esticada na forma
de um quadrado perfeitamente plano. Coloque uma bola metálica pesada
no centro da superfície. A deformação causada pela
bola na forma da superfície é semelhante à deformação
causada na geometria do espaço devido à presença de
uma massa (...). (GLEISER, A dança do universo, p. 331)
Esse tipo de analogia, muito usado em livros de divulgação,
passa uma idéia bastante incorreta. A bola metálica produz
uma deformação na superfície elástica por causa
de uma força (seu peso) que ela exerce sobre a superfície.
Imagine a cama elástica em uma estação espacial, onde
parece não existir gravidade. Coloque sobre a superfície
elástica uma grande bola metálica. O que vai acontecer? Nada.
A presença de matéria não deforma a superfície
elástica. A analogia falhou.
Muito bem, precisamos pressionar a superfície elástica
para produzir uma deformação. Vamos empurrar a bola, e deformar
a cama elástica. Teremos agora uma boa analogia? Não. Na
teoria da relatividade geral, uma fonte de campo deforma o espaço-tempo,
mas isso não é devido a uma força exercida
pela fonte do campo (na verdade, queremos explicar a força
gravitacional, e por isso utilizamos uma coisa que não é
uma força).
Se jogarmos algumas bolinhas de gude sobre o elástico deformado,
elas se moverão em trajetórias curvas. Perto da massa, as
bolas de gude seguirão órbitas circulares ou elípticas,
antes que a fricção as faça espiralar em direção
ao "buraco" do centro. (GLEISER, A dança do universo, pp.
331-2)
Aqui, a analogia começa a ficar pior ainda. Se colocarmos uma bolinha
de gude sobre uma superfície curva em um local onde não
exista a gravidade, a bolinha ficará parada. Ela não
se aproximará nem afastará da bola metálica. Uma deformação
geométrica não produz nada parecido com uma atração.
A bolinha sobre a superfície curva descrita no livro só se
move porque existe a gravidade terrestre. Ela também começaria
a se mover se estivesse sobre uma superfície plana inclinada,
ou se não houvesse superfície nenhuma. Não é
a curvatura que produz o movimento. O problema grave dessa analogia é
que se está utilizando um modelo cujo funcionamento depende da gravidade
terrestre para explicar o fenômeno gravitacional. Minha experiência
didática mostra que os estudantes (infelizmente) ouvem falar sobre
essa analogia e que fazem enormes confusões por causa disso.
A analogia da cama elástica só parece funcionar porque
nela interferem, duas vezes, a própria força gravitacional
(para deformar a superfície e para mover as bolinhas de gude). No
entanto, já que se quer explicar exatamente a força gravitacional,
é inválido utilizar como modelo um fenômeno que só
ocorre por causa da própria gravidade.
Na relatividade geral, o movimento de uma partícula no campo
gravitacional é descrito sem se falar em forças, introduzindo
um espaço-tempo com métrica curva, e calculando-se as geodésicas
nesse espaço-tempo. Em um sentido matemático bem preciso,
as partículas descrevem "retas" (geodésicas) do espaço-tempo,
mas não "retas" (geodésicas) do espaço. A analogia
da cama elástica não capta nenhum desses aspectos – desvia
apenas a atenção do leitor, que pensa ter entendido alguma
coisa, mas que não pode captar pela analogia nada de correto sobre
a relatividade geral.
Também está errado dizer que "Perto da massa, as bolas
de gude seguirão órbitas circulares ou elípticas".
A única possibilidade de surgirem órbitas elípticas
(desprezando-se o atrito) será se a superfície tiver exatamente
uma forma adequada para simular uma força inversamente proporcional
ao quadrado da distância. Suponhamos que a superfície seja
descrita em função de r, f e z
(coordenadas cilíndricas). A projeção horizontal do
movimento das bolas de gude poderá ser elíptica apenas se
valer a relação
sin 2a = k/r²
onde a = arctan (dz/dr). Isso exige, portanto,
condições extremamente especiais da forma da superfície
elástica. Aliás, se a cama elástica for quadrada (como
no caso do livro), isso nunca será possível.
Na página 332, encontramos uma referência à nota
(9), que diz:
Suficientemente perto da massa central, as trajetórias são
linhas verticais na direção do centro de atração.
(GLEISER, A dança do universo, p. 422)
Não é correto. Perto ou longe da massa central, as trajetórias
podem ser curvas ou retas radiais. Isso depende da direção
da velocidade inicial do corpo, ou seja, de seu momento angular. Se o momento
angular for nulo, as trajetórias serão retas radiais.
Ao descrever o desenvolvimento das geometrias não-euclidianas,
o livro comenta:
Mais ainda, demonstraram que as geometrias não euclidianas
mais simples são de dois tipos: espaços podem ter curvatura
positiva, como a superfície (bidimensional) de uma bola, ou podem
ter curvatura negativa, como a superfície (bidimensional) de uma
sela de cavalo. Geometrias mais complicadas podem ser reconstruídas
a partir de combinações desses dois tipos básicos
(GLEISER, A dança do universo, p. 332)
Não é bem isso. As geometrias não euclidianas mais
simples são aquelas que possuem curvatura constante e igual em todos
os pontos, isto é, que são homogêneas. Tanto uma bola
esférica quanto uma de futebol americano possuem curvatura positiva,
mas uma (a esférica) apresenta uma geometria mais simples. É
preciso separar dois conceitos independentes: o tipo de curvatura (positiva,
negativa, nula) e a simplicidade do espaço (curvatura constante,
variável). A última frase também é problemática:
não se pode compor qualquer tipo de superfície com partes
de esferas e de superfícies em sela (pense, por exemplo, em um cone).
O conceito de curvatura gaussiana está associado à
existência de um excesso (ou defeito) angular. Em um triângulo,
o excesso angular é a diferença entre a soma dos ângulos
internos do triângulo e 180°. Em um quadrado, o excesso angular
é a diferença entre a soma dos seus ângulos internos
e 360°. A curvatura gaussiana média de uma região (por
exemplo, triangular ou quadrada) é dada pela razão entre
a diferença angular e a área da região. Esse conceito
pouco óbvio não foi passado no livro, e no entanto fica-se
o tempo todo falando em "curvatura", como se fosse um conceito intuitivo.
Espaços planos ou com curvatura negativa são chamados
de espaços abertos; na maioria deles, se você caminhar
na mesma direção, nunca voltará ao seu ponto de partida.
(GLEISER, A dança do universo, p. 333)
Novamente, estão sendo confundidos dois conceitos independentes.
Uma superfície cilíndrica (ou cônica) é um espaço
plano (com curvatura gaussiana nula), mas pode-se voltar ao ponto de partida
caminhando sempre na mesma direção (dependendo da direção).
O mesmo pode ocorrer em superfícies de curvatura negativa. Imagine
um vaso de flores que seja curvo, "quase" cilíndrico, mas com a
base e a boca mais largos do que a parte central.

A curvatura na região central será negativa, mas é
possível caminhar na mesma direção e voltar ao ponto
de partida (dependendo da direção).
Espaços de curvatura positiva são chamados de espaços
fechados; se você caminhar na mesma direção,
acabará voltando ao seu ponto de partida, como podemos facilmente
visualizar investigando a superfície de um globo. (GLEISER, A
dança do universo, p. 334)
Também não está correto. Está, novamente, confundindo
dois conceitos. Uma superfície esférica é uma superfície
que é, ao mesmo tempo, fechada e com curvatura positiva, mas isso
é apenas um caso especial. Uma superfície de um parabolóide
ou hiperbolóide de revolução, por exemplo, tem curvatura
positiva em todos os pontos, mas, partindo-se de um ponto e caminhando-se
sempre na mesma direção, não se retorna ao ponto de
partida, exceto em direções especiais (como no caso do cilindro
e do cone). Existem, aliás, pontos dos quais nunca se retorna
ao ponto de partida, nessas superfícies. Pense-se, também,
em um elipsóide de revolução: a partir de um ponto
arbitrário, também só é possível voltar
ao ponto de partida se a direção do movimento for muito especial.
Portanto, geometrias fechadas são finitas; elas têm
volume finito. (GLEISER, A dança do universo, p. 334)
Como o conceito de geometria fechada tinha sido introduzido a partir da
existência de geodésicas fechadas, uma coisa não pode
ser concluída a partir da outra. Uma superfície cilíndrica
possui geodésicas fechadas, mas área infinita.
Resumindo: há grandes problemas na conceituação
geométrica apresentada, porque o livro fica passando de um conceito
para outro, como se fossem equivalentes, quando na verdade são conceitos
diferentes e – em grande parte – independentes.
Após dominar as sutilezas da geometria não euclidiana,
Einstein ainda tinha pela frente um grande desafio: incorporar a geometria
à física de tal modo que a teoria final fosse consistente
tanto com o princípio de equivalência (...) como com a lei
mais sagrada da física, a lei da conservação da energia
e quantidade de movimento. Após muitas tentativas fracassadas, no
outono de 1915, Einstein obteve as equações da relatividade
geral em sua forma final. (GLEISER, A dança do universo,
p. 334)
Compreende-se a partir daí que a teoria da relatividade geral incorpora
a lei da conservação da energia. Não é verdade.
As equações de campo da relatividade geral utilizam, como
fonte do campo, o tensor de momento-energia da relatividade especial, e
utilizam a condição matemática de que o divergente
desse tensor seja nulo. Isso significa que a relatividade geral incorpora
a conservação do momento-energia da relatividade especial.
Ocorre, no entanto, que esse tensor de momento-energia inclui momento
e energia de todos os tipos exceto gravitacional. Para incluir
a energia do campo gravitacional nas transformações de energia,
foi proposto inicialmente um pseudo-tensor de energia do campo gravitacional
(WEINBERG, Gravitation and cosmology, pp. 165-71), mas, como o próprio
nome mostra, isso não conseguia resolver os problemas, pois era
possível escolher-se um referencial no qual as componentes do pseudo-tensor
se anulavam, e nesse referencial não havia conservação
da energia total. Houve várias tentativas posteriores (e recentes)
de incorporar a conservação da energia à relatividade
geral, mas todas essas tentativas alteram a teoria de Einstein.
Não existe, até hoje, uma solução consensual
para o problema. Com certeza, pode-se apenas afirmar que a teoria de Einstein
não incorporava "a lei mais sagrada da física, a lei
da conservação da energia e quantidade de movimento".
Das duas outras previsões de sua teoria, o desvio gravitacional
para o vermelho e a deflexão de raios luminosos, apenas a última
podia – na época – ser observada. (GLEISER, A dança do
universo, p. 334)
Não está certo. O desvio gravitacional para o vermelho também
podia ser observado, e foi procurado (no espectro do Sol) antes
da deflexão de raios luminosos. Os resultados iniciais foram contrários
às previsões da teoria da relatividade (MARTINS 1986a).
VII – Cosmologia relativística
Como o livro tem por objetivo central discutir modelos cosmológicos,
esperaríamos que, pelo menos nessa parte, o texto fosse rigoroso
e correto. Mas isso não ocorre em muitos pontos.
Embora vazio, o Universo de De Sitter tem movimento! Sem a presença
de matéria, a repulsão cósmica alimentada pela constante
cosmológica provoca a expansão da geometria. Enquanto o Universo
de Einstein tem matéria sem movimento, o de De Sitter tem movimento
sem matéria; de certo modo, os dois modelos são complementares
(GLEISER, A dança do universo, p. 340)
Não é verdade. O universo de De Sitter é estático:
tem uma métrica que não é função do
tempo (ou seja, a geometria não se expande). Esse modelo cosmológico,
em si, não tem movimento. No entanto, colocando-se corpos de
prova nesse universo, e supondo que a presença desses corpos
de prova não altera a métrica, mostra-se que eles irão
se afastar um do outro, com velocidade crescente (ver NORTH, The measure
of the universe, pp. 87-9).
Sem considerar detalhes que não são importantes para
nós, Friedmann distinguiu duas classes principais de soluções:
as que descreviam um Universo em expansão e as que descreviam um
Universo oscilatório. (GLEISER, A dança do universo,
p. 345)
Vimos que os modelos de Friedmann, com sua geometria fechada, levam
a um Universo que, em princípio, alternará períodos
de expansão de contração. (GLEISER, A dança
do universo, p. 387)
Havia também os modelos em que havia apenas contração,
e aqueles em que havia contração até uma densidade
inferior ao limite de Einstein, e posteriormente expansão indefinida.
A tabela da página 347 também está incompleta (ver
NORTH, The measure of the universe, pp. 111-7).
RAIO DE CURVATURA: O parâmetro dependente do tempo que determina
a distância relativa entre dois observadores em modelos cosmológicos
homogêneos e isotrópicos. (GLEISER, A dança do universo,
p. 406)
Errado. O raio de curvatura de um modelo cosmológico nem sempre
depende do tempo e a definição de raio de curvatura não
tem nada a ver com observadores. O "raio de curvatura" é um conceito
matemático, que pode ser aplicado não só a modelos
cosmológicos mas a qualquer objeto geométrico (por exemplo,
a superfície de uma esfera).
Ao descrever o modo de estimar as distâncias de estrelas e galáxias,
o livro afirma:
O procedimento tradicional é medir a intensidade da fonte luminosa
(a lanterna) a uma distância fixa (essa intensidade é chamada
de luminosidade intrínseca), e usar a lei do quadrado
inverso para estimar a distância. (GLEISER, A dança
do universo, p. 351)
O exemplo da lanterna não é bom, didaticamente, porque a
luz da lanterna é direcionada, não se espalhando isotropicamente
para todos os lados. A pequenas distâncias de uma lanterna, a intensidade
luminosa não obedece à lei do inverso do quadrado da distância.
Seria melhor utilizar a velha analogia da vela. Aliás, em português
não se diz "lei do quadrado inverso" [inverse square law],
e sim "lei do inverso do quadrado da distância".
Por outro lado, "luminosidade intrínseca" não é
a intensidade a uma distância fixa, e sim a potência luminosa
total emitida pela fonte. Se chamarmos de S o fluxo luminoso (medido
em J.m–2.s–1) recebido a uma distância d
de uma fonte isotrópica, a luminosidade L da fonte é
L=4pd2S (medido em J.s–1)
No texto, a apresentação da lei de Hubble está
boa, mas no Glossário aparece:
LEI DE HUBBLE: Relação obtida empiricamente por Hubble
em 1929, em que a distância e a velocidade de recessão de
galáxias distantes são diretamente proporcionais. A relação
é conseqüência da expansão do Universo. (GLEISER,
A dança do universo, p. 404)
A última frase está errada. Em diferentes modelos do universo
em expansão há diferentes fórmulas que relacionam
a distância e a velocidade de afastamento das galáxias distantes.
A expansão do universo não tem por conseqüência
a existência de uma proporcionalidade entre distância e a velocidade
de afastamento das galáxias.
De fato, se pudéssemos visualizar a evolução
do Universo como um filme que podemos passar de trás para a frente
ou vice-versa (...) passando o filme para trás, obrigatoriamente
encontraríamos um instante no passado no qual as galáxias
estariam agrupadas em uma região muito pequena do espaço.
(GLEISER, A dança do universo, p. 362)
É claro que isso depende do modelo cosmológico, e não
é portanto "obrigatório". É possível desenvolver
modelos em que o universo tenha passado por uma fase mais densa, porém
não muito diferente da atual (densidade máxima), e antes
disso tivesse uma densidade menor. Isso ocorre em modelos com constante
cosmológica.
Além disso, o final da frase está errado: as galáxias
não iriam se aproximando indefinidamente, porque elas e as estrelas
iriam se desfazendo. O que se poderia afirmar é que, se a expansão
não partiu de uma certa densidade máxima, e se a matéria
se conserva, a matéria estaria agrupada em uma região muito
pequena do espaço.
À parte o abrupto aparecimento acausal do Universo em um determinado
momento do passado, modelos cosmológicos evolucionários sofriam
de um problema mais imediato: Hubble havia medido que o Universo é
mais jovem do que a Terra. (GLEISER, A dança do universo,
pp. 368-9)
Nem todos os modelos cosmológicos evolucionários têm
esses problemas. O primeiro modelo que Lemaître havia proposto, e
que foi adotado por Eddington, supunha que a situação inicial
do universo era um universo de Einstein, cheio de um gás homogêneo.
Flutuações nesse gás iniciariam a formação
de nuvens mais densas, nas quais iriam depois se formar as estrelas. Esse
processo romperia também com o equilíbrio do universo de
Einstein, e começaria lentamente uma expansão, que iria se
acelerando com o passar do tempo. Nesse modelo, não havia início
brusco, e a idade do universo podia ser muito maior do que o inverso da
constante de Hubble.
A criação espontânea de matéria viola nossa
lei mais querida, a lei da conservação da energia. (GLEISER,
A dança do universo, p. 370)
A lei da conservação da energia, como já indiquei,
não é mantida na relatividade geral. Por outro lado, utilizando
raciocínios aproximados (quase newtonianos), pelo menos uma das
versões do modelo do estado estacionário introduzia criação
de matéria sem violação da conservação
da energia: bastava considerar que a energia total da partícula
criada (energia de repouso mais energia potencial gravitacional) era nula,
e isso é bastante coerente com dados cosmológicos.
VIII – Física nuclear e partículas
Para explicar a energia liberada pelas estrelas, o livro introduz noções
de física nuclear:
Já as reações nucleares que geram a energia das
estrelas são "reações construtivas": a energia é
liberada à medida que núcleos maiores são fundidos
a partir de núcleos menores. (...)
Esse conceito de fusão progressiva de núcleos maiores
a partir de núcleos menores (...) (GLEISER, A dança do
universo, p. 373)
Não são os núcleos maiores que são fundidos.
O verbo "fundir" significa derreter ou unir várias coisas entre
si (quando se derretem juntas várias coisas, elas se unem). Assim,
faz sentido falar na fusão de duas empresas pequenas para formar
uma maior, mas não faz sentido falar na fusão da empresa
maior em duas menores. As frases ficariam corretas se fosse: "à
medida que núcleos menores são fundidos para formar núcleos
maiores", e "fusão progressiva de núcleos menores para formar
núcleos maiores". Há vários outros pontos do livro
em que "fundir" e derivados estão usados de modo errado.
Ao representar por figuras a estrutura atômica (GLEISER, A
dança do universo, p. 375, fig. 10.1) o livro apresenta uma
visão há muito ultrapassada, como se os elétrons e
núcleons fossem bolinhas, e os elétrons tivessem órbitas
bem definidas em torno do núcleo (mais adiante, a fig. 10.2, pág.
383, continua representando prótons e até mesmo quarks como
"bolinhas"). Por outro lado, a união de um próton e um nêutron
não deveria ser chamada de "deutério" e sim de "dêuteron",
e assim por diante. "Deutério" se aplica a um tipo de átomo,
e não ao núcleo desse átomo.
Ao explicar a fusão nuclear, o livro descreve o processo de formação
do hélio da seguinte forma:
E o hélio? Fundindo dois prótons e dois nêutrons,
algo que pode ser feito de vários modos. (GLEISER, A dança
do universo, p. 376)
e aqui o texto remete à nota (15):
(15) Por exemplo, fundindo dois deutérios, quatro átomos
de hidrogênio, ou um trítio e um próton. (GLEISER,
A dança do universo, p. 424)
Não ocorre um "vale tudo" na física nuclear. A fusão
simultânea de quatro átomos de hidrogênio tem uma probabilidade
minúscula, e nem é considerada nos cálculos que se
costuma realizar. A probabilidade de fusão de dois dêuterons
entre si, ou de um trítium e um próton, são diferentes,
e é necessário estudar as seções de choque
para diferentes reações nucleares, para determinar qual é
a mais viável, nas condições de temperatura consideradas.
Nas condições em que se tenta produzir fusão controlada
em laboratório, a reação utilizada não é
nenhuma das que o livro indica, e sim
H2 (dêuteron) + H3 (trítion) ®
He4 (núcleo de hélio) + n + 17.6 MeV
No interior das estrelas, a reação que ocorre também
não é nenhuma das indicadas no livro, e sim a seguinte:
He3 (núcleo de hélio) + He3 (núcleo
de hélio) ® He4 (núcleo
de hélio) + p + p
Quando se produz uma fusão de dois dêuterons, a probabilidade
de obter-se um núcleo de hélio H4 é quase
nula. Obtém-se H3 e emissão de um próton
ou nêutron.
Sempre que um processo de fusão ocorre, até o elemento
ferro, com 26 prótons, energia é liberada. Essa energia é
chamada de energia de ligação. (GLEISER, A dança
do universo, p. 376)
Errado. A energia que é liberada na fusão de dois núcleos
é igual à diferença entre a energia de ligação
do núcleo resultante e a soma das energias de ligação
dos núcleos que estão se unindo (supondo que a energia cinética
desses núcleos seja desprezível).
Mesmo para elementos abaixo do ferro, dependendo dos isótopos
considerados, a fusão só é possível com fornecimento
de energia.
(...) neutrinos, partículas que, como os fótons, não
têm massa (...) (GLEISER, A dança do universo, p. 381)
Os fótons não possuem massa de repouso, mas pode-se
associar massa aos fótons, pois eles possuem momento. Acreditava-se
que os neutrinos também não possuiriam massa de repouso,
mas atualmente acredita-se que possivelmente eles possuem uma pequena massa
de repouso.
Liberados do complicado triângulo amoroso, os fótons
iniciaram uma dança solitária através do Universo,
desprezando daí por diante todas essas ligações e
interações que parecem ser tão importantes para os
constituintes da matéria. (GLEISER, A dança do universo,
p. 382)
DESACOPLAMENTO: De acordo com o modelo do big-bang, desacoplamento é
o evento que marca o período de formação dos átomos,
quando fótons, livres das interações com prótons
e elétrons, passam a propagar-se através do Universo.
(GLEISER, A dança do universo, p. 400)
Errado. O desacoplamento é a transição na qual a energia
média dos fótons cai a valores abaixo da energia de
ionização dos átomos de hidrogênio, permitindo
que se formem átomos estáveis. Os fótons não
deixam de interagir com prótons e elétrons (continuam a interagir
com a matéria até hoje).
Portanto, de acordo com o modelo do big-bang, o próprio Universo
é um corpo negro (...) (GLEISER, A dança do universo,
p. 382)
Um corpo negro é aquele que absorve praticamente toda radiação
que incide sobre ele. Com pode incidir alguma radiação sobre
o universo, se não existe nada fora dele? O conceito, nesse caso,
não se aplica. O que o livro poderia explicar é que a característica
básica do espectro de radiação de um corpo negro provém
da existência de um equilíbrio termodinâmico na cavidade,
e que a radiação residual do modelo do big bang teria
propriedades semelhantes.
(...) e centenas de outras partículas que foram sistematicamente
descobertas em aceleradores de partículas (...) (GLEISER, A dança
do universo, p. 388)
Até a década de 1950, as grandes descobertas de partículas
foram feitas na radiação cósmica, e não com
aceleradores de partículas.
No entanto, se existe uma incerteza na medida de energia de um sistema,
então é possível que a própria energia do seu
estado fundamental flutue. (GLEISER, A dança do universo,
p. 391)
São duas coisas distintas. Poderia haver uma incerteza nas medidas
sem haver uma indeterminação na própria natureza (interpretações
de variáveis ocultas).
Se chamarmos esse estado fundamental de um sistema de vácuo
quântico, concluímos que, devido a essas flutuações
em sua energia, o vácuo quântico tem sempre alguma estrutura
interna ... (GLEISER, A dança do universo, p. 391)
VÁCUO QUÂNTICO: O estado fundamental, ou seja, de menor
energia, de um sistema quântico. (GLEISER, A dança do universo,
p. 407)
Errado. Um átomo em seu estado fundamental não é chamado
de "vácuo quântico". O vácuo quântico é
uma região do espaço em que a densidade média de energia
é nula.
Por exemplo, sabemos pela relatividade especial que energia e matéria
podem ser convertidas uma na outra, conforme expressa a equação
E = mc². (GLEISER, A dança do universo, p. 391-2)
A relação E = mc², no seu domínio de validade,
indica que há uma energia E associada a qualquer massa m,
e vice-versa. Não se trata de uma conversão. Um elétron
de massa m tem uma energia total E = mc²; a equação
não diz que o elétron pode ser criado a partir de energia
pura, como por exemplo radiação eletromagnética (não
pode) nem que ele pode se transformar em energia pura (não pode).
Há outras leis que impedem isso (conservação do número
leptônico, da carga, etc.).
Portanto, flutuações quânticas na energia do vácuo
podem ser convertidas em partículas de matéria! Parece absurdo?
Talvez, mas esse fenômeno é rotineiramente observado em
experimentos envolvendo colisões de partículas. Essas
partículas que surgem como flutuações do vácuo
são conhecidas como partículas virtuais, vivendo por
um tempo microscopicamente pequeno ... (GLEISER, A dança do universo,
p. 392)
A frase em negrito está errada. Essas flutuações não
são observadas, justamente porque as partículas virtuais
têm uma vida muito curta. As partículas virtuais são,
é claro, teóricas. O que se observa em colisões de
partículas é o surgimento de novas partículas em processos
em que há conservação de energia, e essas partículas
não são virtuais.
Como vimos, a cosmologia é a única disciplina da física
que lida com questões que podem também ser legitimamente
formuladas fora do discurso científico. (GLEISER, A dança
do universo, p. 396)
Não vejo como se possa sustentar isso. Há um número
ilimitado de contra-exemplos:
a) Questões sobre origens: De onde surgiram as montanhas? De
onde surgiu a água? De onde surgiram as rochas? De onde surgiu o
sabor salgado do mar?
b) Questões sobre causas: Por que o céu é azul?
Por que as nuvens não caem? Por que a duração dos
dias e das noites varia ao longo do ano? Por que a água fica dura
quando esfria?
c) Questões sobre a natureza das coisas: O que são os
raios? O que são as estrelas? O que é o ar?
d) Questões sobre constituintes: Como é o interior da
Terra? Como é o interior dos vulcões? Como é o interior
das pedras? Qual a diferença entre a água e o ar?
... a luz que recebemos agora de Andrômeda foi gerada 2 milhões
de anos atrás! Ao mergulharmos nas profundezas do espaço
estamos efetivamente viajando para o passado. (GLEISER, A dança
do universo, p. 416)
Errado. Quando olhamos para Andrômeda ou quando ouvimos um disco
gravado por Carmen Miranda não estamos viajando efetivamente para
o passado – estamos recebendo uma informação produzida no
passado. Se pudéssemos viajar efetivamente para o passado, poderíamos
interagir com esse passado (conversar com Carmen Miranda, por exemplo).
A própria expressão "mergulhar nas profundezas do espaço"
é uma expressão literária atraente, mas vazia (quem
olha para uma galáxia distante não está mergulhando
nas profundezas do espaço).
IX – Comentários finais
A física moderna, por estar mais distante de nossas concepções
intuitivas sobre o universo, é mais difícil de ser compreendida
e explicada. Não é impossível, no entanto, descrever
os resultados conceituais mais importantes da física moderna em
linguagem qualitativa. A revista Scientific American, para citar
apenas uma fonte, é um excelente exemplo de divulgação
científica da física moderna, com artigos bem escritos, interessantes
e ao mesmo tempo corretos.
Muitas vezes, as pessoas que se dedicam à divulgação
científica transmitem informações errôneas,
por vários motivos. Um primeiro motivo é que algumas vezes
escrevem sobre algo que escapa ao seu domínio científico
– por exemplo, uma pessoa com formação jornalística
escrevendo sobre um tema altamente técnico, ou um cientista com
treino em uma área específica escrevendo sobre outra área.
Um segundo motivo que leva a conteúdos incorretos é a tentativa
bem intencionada de tornar as informações compreensíveis,
através de comparações e analogias, que infelizmente
podem levar a deformações infelizes do conteúdo científico.
Há algumas condições básicas para se escrever
um livro de divulgação sobre física moderna: ter uma
excelente compreensão conceitual do assunto, percebendo as condições
de validade e os limites de cada idéia, suas semelhanças
e diferenças com idéias da física clássica;
dispor de um bom estoque de comparações, analogias e ilustrações,
utilizando-as cautelosamente e alertando o leitor para os pontos em que
as semelhanças deixam de existir; e ser capaz de escrever com um
estilo que capte a atenção do leitor. É preciso saber
simplificar as idéias mais complicadas, mas sem falseá-las,
pois um erro, depois de assimilado, dificilmente é erradicado.
Referências bibliográficas
-
FEYNMAN, Richard P., LEIGHTON, Robert B. & SANDS, Matthew. The Feynman
lectures on physics. 3 vols. Reading: Addison-Wesley, 1965.
-
GLEISER, Marcelo. A dança do universo. Dos mitos de criação
ao big-bang. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras (Editora
Schwarcz), 1997.
-
HALIDAY, David, RESNICK, Robert & MERRILL, John. Fundamentos da
física. 1 – Mecânica. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora LTC,
1993.
-
MARTINS, Roberto de Andrade. Use and violation of operationalism in relativity.
Manuscrito 5 (2): 103-15, 1981.
-
MARTINS, Roberto de Andrade. A Popperian evaluation of Einstein's theory-plus-method.
Manuscrito 9 (2): 85-113, 1986 (a).
-
MARTINS, Roberto de Andrade. O princípio de antecedência das
causas na teoria da relatividade. Anais da ANPOF 1 (1): 51-72,
1986 (b).
-
MARTINS, Roberto de Andrade. A relação massa-energia e energia
potencial. Caderno Catarinense de Ensino de Física 6:
52-84, 1989.
-
MARTINS, Roberto de Andrade. Como Becquerel não descobriu a radioatividade.
Caderno Catarinense de Ensino de Física 7: 27-45,
1990.
-
MARTINS, Roberto de Andrade. Em busca do nada: considerações
sobre os argumentos a favor e contra o vácuo. Trans/Form/Ação
16: 7-27, 1993.
-
MARTINS, Roberto de Andrade. Becquerel and the choice of uranium compounds.
Archive for History of Exact Sciences 51 (1): 67-81, 1997.
-
NORTH, John David. The measure of the universe. New York: Dover,
1990.
-
WEINBERG, Steven. Gravitation and cosmology: principles and applications
of the general theory of gravitation. New York: John Wiley & Sons,
1972.
-
WHITTAKER, Edmund. A history of the theories of aether and electricity.
2 vols. New York: American Institute of Physics, 1987.