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Portanto, quando uma
parte do céu inadequada para nós se coloca em movimento,
e um ar maligno começa a avançar, rasteja vagarosamente sob
a forma de vapores e nuvem e traz a desordem a tudo em sua linha de ataque
e faz com que tudo mude. E quando por fim atinge nosso céu, ele
a corrompe também e a faz semelhante a si e inadequada para nós.
Esse novo poder pestilencial cai assim imediatamente sobre as águas
ou penetra profundamente nos grãos ou em outros alimentos do homem;
ou então sua força se mantém suspensa no próprio
ar, e quando inalamos dela esse ar misturado, absorvemos em nosso corpo,
ao mesmo tempo, essas coisas. De forma semelhante, a peste geralmente cai
também sobre o gado e destempera os carneiros. E não faz
diferença se viajamos para lugares desfavoráveis a nós
e mudamos a atmosfera que nos envolve, ou se a natureza fora de nós
escolhe nos trazer um céu corrompido ou alguma coisa a que não
estamos acostumados, e que é capaz de nos atacar logo que chega.
Apesar de considerar as epidemias como causadas por uma mudança
do ar, Lucretius reconhece a existência da passagem da doença
de uma pessoa para outra. Ele descreve a grande peste de Atenas e aponta
que os corpos jaziam empilhados, sem serem sepultados, mas que as aves
de rapina e os animais não se aproximavam deles, ou, se os comiam,
logo caiam mortos. Havia portanto algo nos mortos que podia causar a morte.
E os sãos podiam adquirir a doença dos doentes:
Eles não cessavam
de pegar o contágio da doença devoradora um do outro, assim
como os rebanhos lanudos e os bois. E isso, sobretudo, empilhava mortos
sobre mortos. Quando alguém fugia de seus próprios familiares
doentes, essa negligência mortal logo os punia por seu amor excessivo
à vida e medo da morte por uma morte maligna e terrível,
abandonado por sua vez, esquecido de qualquer ajuda. Mas aqueles que ficavam
estavam prontos a prestar asssitência, iam-se pelo contágio
e pela fadiga (...).
Aparecem, assim, em Lucretius, algumas idéias sobre a transmissão
da doença de uma pessoa a outra. Ele utiliza a palavra "contágio"
para se referir a essa transmissão. O contágio é,
em Lucrécio, simplesmente alguma influência que passa pelo
contato de uma coisa com outra . Coerente com a doutrina atomista, ele
supõe que é algo material que produz a doença. Não
existe a proposta de que seja algo vivo, nem que essa causa da doença
se reproduza dentro dos que são atingidos por ela. No entanto, como
ele fala sobre as "sementes" ou "germes" das doenças, pode ser que
ele admitisse a idéia de pequenos organismos vivos. |
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