Porto Alegre, 22 de setembro de 2003.

 

Ilmo. Sr.

Prof. Dr. Carlos Alexandre Netto

M. D. Pró-Reitor de Pesquisa da UFRGS

Membro da Comissão Mista MCT/MEC


Prezado Senhor Pró-Reitor:

 

Aproveitando a oportunidade aberta à comunidade científica pela Comissão Mista MCT/MEC, nomeada para pensar e articular as ações de apoio à Pós-Graduação, também com a atribuição de discutir a classificação das áreas de conhecimento utilizadas pelas agências federais – CAPES e CNPq, os pesquisadores e professores abaixo indicados subscrevem a proposta de criação,  sob a grande área de Ciências Humanas, da

 

Área: Filosofia, História e Sociologia das Ciências e Tecnologia,

 

Sub-áreas: Filosofia das Ciências, Filosofia da Tecnologia, Filosofia das Ciências e Tecnologia, História das Ciências, História da Tecnologia, Sociologia das Ciências, Sociologia da Tecnologia,  Projetos Inter/transdiciplinares (constituídos conjuntamente por duas ou mais das sub-áreas)

 

A  justificativa para proposta em apreço apresenta-se em resposta aos itens balizadores sugeridos por esta Comissão:

1) reflete o que se faz em termos de desenvolvimento do conhecimento na área, contemplando tanto abordagens consolidadas quanto emergentes, bem como o aparecimento de sub-áreas e especialidades  inter / multidisciplinares.  

A visão tradicional da Filosofia, História e Sociologia da Ciência como áreas consolidadas, com seus problemas de investigação e metodologias, atribuiu à Filosofia da Ciência o exame epistemológico e lógico–metodológico das condições que possibilitam a ciência como conhecimento solidamente fundado; à História da Ciência, a elaboração de uma narrativa plausível e compreensível (e informativa para as demais áreas) dos eventos que perfazem a produção daquele conhecimento e/ou atividade, e, à Sociologia da Ciência, o exame das condições consideradas “externas” a tal produção, relacionadas às estruturas institucionais, políticas e de representação social da ciência. A questão da “técnica”, por sua vez, quando aparecia, o fazia desde um ponto de vista subsidiário.

Pode essa agenda tradicional dar conta das questões que novas pautas de análise hoje levantam? Em que pesem suas próprias definições, a interpenetração dessas áreas sempre se fez sentir, com maior ou menor ênfase, exceto na vertente do Positivismo Lógico, dominante, mas não exclusiva, a partir da década de 20. A partir da década de 60, cresceram as críticas à visão positivista, com conseqüências para uma análise interdisciplinar da ciência, tal como as chamadas “novas epistemologias” ou “novas filosofias da ciência”. Presentemente, uma extensa literatura tem examinado as condições que determinam ou tornam possível a ciência, à luz  dos impactos da informática e dos demais recursos tecnológicos na produção e comunicação científica, dos novos estudos da linguagem e argumentação científica, da demanda por discussões sobre o caráter institucional, cultural e político da ciência, dos novos contornos disciplinares e interdisciplinares e das materialidades do fazer ciência, historicamente contextualizadas. Nosso tradicional modo de pensar a ciência revela-se insuficiente para responder à nova pauta de questões. Surgem novos conceitos, como o de “tecnociência”, que escapam às análises tradicionais. Cresce a interpenetração daquelas sub-áreas e o interesse pela Tecnologia como objeto de análises filosóficas, históricas e sociológicas.

A criação da área de Filosofia, História e Sociologia das Ciências e Tecnologia é suficientemente flexível para cobrir a diversidade de questões, abordagens e metodologias – consolidadas e emergentes – que podem promover o desenvolvimento de suas sub-áreas, ao mesmo tempo em que se abre ao enfoque interdisciplinar que marca seus desenvolvimentos mais recentes. Sua flexibilidade não significa indeterminação, mas abertura para o tratamento qualificado de antigas e novas agendas de trabalho, bem como seu caráter inter ou trans-disciplinar não exclui a ancoragem disciplinar. Ao contrário, a interdisciplinaridade assim ancorada conduz a novos campos disciplinares, num processo contínuo e tensional entre o disciplinar e o interdisciplinar, para o desenvolvimento de ambos.

 

2) dialoga com as recentes re-configurações disciplinares e inter-disciplinares que se têm desenhado em vários centros e programas de pesquisa - já existentes nacional e internacionalmente - voltados ao conhecimento compreendido sob a área proposta.

            São inúmeros os Departamentos de História da Ciência e de Filosofia das Ciências, com seus Cursos de Pós-Graduação distribuídos pelo mundo. Diferentes Programas em universidades estrangeiras fizeram, como é o caso da Universidade de Stanford, uma opção por programas interdisciplinares, dentre os quais encontram-se programas de Filosofia e História das Ciências, onde são igualmente trabalhados projetos que dizem respeito a questões de sociologia da ciência. Cabe igualmente notar que, ao consultar o registro de membros da History of Science Society, encontramos pesquisadores das diferentes sub-áreas propostas. É também significativo o fato de que a a International Union of History and Philosophy of Science compreende duas seções, a Division of History of Science e a Division of Philosophy of Science. Cada uma delas promove congressos internacionais a cada  4 anos, intercalados com Congressos comuns a ambas divisões. Também cabe registrar que já existe uma associação, jovem e robusta, que congrega pesquisadores do Cone Sul: Associação de Filosofia e História das Ciências do Cone Sul (AFHIC), que realiza encontros cada dois anos. Assim, tanto a nível acadêmico como de associações profissionais, nossa proposta vai ao encontro das mais recentes tendências de ensino e pesquisa.

 

3) a base lógica para a classificação proposta é conceitual e operacional e
contempla a múltipla fundamentação, objetivos e metodologias predominantes nos
trabalhos de pesquisa caracterizados como de Filosofia, História ou Sociologia das Ciências e Tecnologia
.

            A base lógica para a classificação proposta funda-se numa análise da “ciência” desde o que poderíamos chamar de ponto de vista das Humanidades, a usar um termo que retorna ao vocabulário acadêmico com novos impactos. Dada a natureza histórica e contextual das idéias e práticas reguladoras da “ciência” e “tecnologia” como fenômeno(s) cultural (is), bem como das tendências de análise, há que contar com a natureza dinâmica da fundamentação, objetivos e metodologias a serem exibidas pela área e suas sub-áreas,  em sua dimensão disciplinar ou inter / trans-disciplinar. A área proposta preserva espaço para as diferentes tradições e linhas de análise filosóficas, históricas, sociológicas, de modo que, por cooperação ou por contraste, possam revelar suas possibilidades teóricas e implicações práticas, numa tensão constante e frutífera entre o disciplinar e o inter-disciplinar.

Desde o ponto de vista operacional, cabe destacar que, na estrutura ora vigente, não se tem acesso a Filosofia das Ciências ou a Sociologia das Ciências como sub-áreas ou especialidades, abrigadas, respectivamente, pelas sub-áreas Epistemologia e Sociologia do Conhecimento. Mesmo desde um ponto de vista estritamente disciplinar, tal solução deixa a desejar. A Filosofia da Ciência necessariamente cobre questões epistemológicas, enquanto pergunta pelas condições de acesso, análise e justificação desse tipo de conhecimento e atividade, mas as insere na perspectiva próprio do caber e do fazer científico. A Epistemologia, tal como tradicionalmente entendida e praticada, volta-se a questões gerais do conhecimento e de sua justificação, não .instrumentalizando suficientemente para o tratamento das condições efetivas e contextualizadoras da ciência em sua distintividade. Também a Sociologia do Conhecimento enquanto tal não contempla tal especificidade. Quanto à História das Ciências, presentemente consta como sub-área da História. No entanto, seja pelo fato de sua constituição como área de trabalho demandar uma formação própria, seja pelo fato de seu exercício – tal como pode ser visto nos programas de formação de pesquisadores em diferentes universidades – demandar um trabalho interdisciplinar, a História das Ciências encontraria na área que está sendo proposta uma classificação mais adequada.

 

4) a área proposta não exclui nem substitui áreas existentes como se depreende da proposta e das condições presentemente oferecidas pelas áreas existentes.

 

5) localiza-se como área de interface (inter/multidisciplinar) sob uma das grandes áreas do conhecimento – conforme proposto e exposto mos itens 1 e 3 acima.

 

6) permite que uma mesma especialidade possa ser contemplada
pela entrada a partir de diferentes sub-áreas.

            Todas as especialidades, dado o enfoque interdisciplinar da própria área, poderão ser acessadas desde as diferentes sub-áreas, sem exclusão da possibilidade de abordagem disciplinar enquanto tal. Além disso, algumas especialidades a serem propostas num segundo momento, como, por exemplo, Políticas Científicas,  ou Ciência e Literatura, permitiriam entrada a partir de diferentes áreas.

 

Aos pontos balizadores acima, cabe ainda ressaltar que a área de Filosofia, História e Sociologia das Ciências e Tecnologia constitui-se numa privilegiada interface com várias outras áreas, com contribuições a dar para o estabelecimento de políticas científicas e compreensão da cultura em que inserem atividades e interesses da pesquisa científica e tecnológica.

 

Cumprimentando a esta Comissão pela importância da iniciativa e pela transparência de sua  condução, respeitosamente subscrevemo-nos,

 

Anna Carolina Krebs Pereira Regner (PPG Filosofia / UNISINOS, RS)

– área de atuação: Filosofia e História da Ciência

 

Apoiaram esta proposta os seguintes pesquisadores:

 

Amilcar Baiardi

Attico Chassot

Bernardo J. Oliveira

Gustavo Caponi

João Carlos Marques Magalhães

Lauro Nardi

Lílian Al-Chueyr Pereira Martins

Mauro Condé

Olival Freire

Renan Springer de Freitas

Roberto de Andrade Martins

Russel Teresinha Dutra da Rosa

Sandra Caponi

Silvia Figueirôa

Ubiratan D' Ambrosio