Artigo publicado em Jahrbuch für Geschichte und Theorie der Biologie 3: 181-199, 1996.
Resumo: A teoria evolucionista de Lamarck tem sido considerada
como uma especulação sem fundamento, tanto por naturalistas
de sua época quanto por historiadores atuais da ciência. Lamarck
é usualmente considerado como pertencendo ao grupo do "idéologues"
– seguidores de Condillac, com uma forte tendência empirista. De
fato, Lamarck se refere com respeito a Condillac, e em seu discurso metodológico
apresenta a si próprio como empirista. No entanto, se compararmos
sua teoria evolucionista com as exigências empiristas, o trabalho
de Lamarck deveria ser rejeitado como desprovido de fundamentos – um mero
"système" metafísico – no sentido pejorativo utilizado pelos
seguidores de Condillac.
Há, no entanto, outro modo de considerar
o método de Lamarck. A análise de seus últimos trabalhos
– especialmente os livros Histoire naturelle des animaux sans vertèbres
and Système analytique des connaissances positives de l'homme
– mostra que ele não seguia um método empirista. Seu ponto
de partida era na realidade metafísico, mas é exatamente
o tipo de metafísica que é atualmente aceita pelas ciências
biológicas: um fisicalismo estrito, que exige que todos os fenômenos
naturais sejam explicados por leis naturais. Seguindo essa exigência,
o método de Lamarck parece a melhor solução disponível
naquela época para os fenômenos biológicos fundamentais:
a natureza, a origem e a estrutura dos seres vivos.
O trabalho de Lamarck foi criticado como puramente
especulativo e não-científico porque foi avaliado no contexto
do empirismo. Ele não foi totalmente claro sobre seu método,
e talvez ele próprio não tivesse percebido que estava se
afastando da tradição empirista. A reinterpretação
da teoria de Lamarck sob o ponto de vista de seu fisicalismo não
empirista permite uma avaliação positiva de seu trabalho.
Abstract: Lamarck's evolutionary theory has been regarded as
groundless speculation by both coeval naturalists and modern historians
of science. Lamarck is usually regarded as belonging to the group of the
" idéologues" – followers of Condillac, with a strong empiricist
outlook. Indeed, Lamarck refers respectfully to Condillac, and in his methodological
discourse presents himself as an empiricist. However, if one compares his
evolutionary theory with the empiricist requirements, Lamarck's work should
be dismissed as groundless – a mere metaphysical " système"
– in the pejorative sense used by the followers of Condillac.
There is, however, another way of looking at Lamarck's
method. The analysis of his later works – specially Histoire naturelle
des animaux sans vertèbres and Système analytique
des connaissances positives de l'homme – shows that he did not follow
an empiricist method. His point of departure is indeed metaphysical, but
it is exactly the kind of metaphysics now accepted by the biological sciences:
a strict physicalism, that requires that all natural phenomena be explained
by natural laws. Following this requirement, Lamarck's method seems the
best available solution of that time to the fundamental biological problems:
the nature, origin and structure of living bodies.
Lamarck's work was criticized as purely speculative
and non-scientific because it was evaluated in the context of empiricism.
He was not altogether clear about his method and maybe he did not realize
that he was departing from the empiricist tradition. The reinterpretation
of Lamarck's theory from the point of view of his non-empiricist physicalism
allows a favorable evaluation of his work.