William Bateson (1914)
"A teoria cromossômica da herança: proposta, fundamentação, crítica e aceitação"

["The chromosome theory of inheritance: proposal, foundation, criticism and acceptance"] Abstract

Lilian Al-Chueyr Pereira Martins

Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1997.
(Tese de doutoramento)
xx + 720 páginas e 57 folhas de figuras fora do texto

Resumo: A presente tese tem por objetivo estudar o contexto histórico do estabelecimento da teoria cromossômica nas três primeiras décadas do século XX. Este trabalho procura elucidar as principais razões que levaram alguns importantes geneticistas da época, particularmente Thomas Hunt Morgan e William Bateson, a demorar a aceitar que os fatores mendelianos (mais tarde chamados genes) fossem entidades físicas localizadas em certos pontos definidos ao longo dos cromossomos. A tese procura verificar se a teoria cromossômica estava bem fundamentada, de acordo com os padrões científicos da época, nos seguintes estágios: 1902-3 (proposta da hipótese de Sutton-Boveri); 1910 ("conversão" de Morgan); 1915 (publicação do Mechanism of Mendelian heredity, de Morgan e colaboradores); e 1921 ("conversão" de Bateson). Além disso, procura responder se as atitudes dos cientistas poderiam ser racionalmente justificáveis em cada uma das etapas consideradas. No caso de não poderem, este estudo procura detectar quais os fatores extra-científicos que poderiam tê-los influenciado.
    Esta tese contém uma introdução e dez capítulos. Estes estão agrupados em três partes. A introdução procura esclarecer alguns pontos relevantes tais como a delimitação do objeto de estudo, a abordagem historiográfica e o método de pesquisa utilizados. A primeira parte (capítulos 1 e 2), conta a história da Genética sob o ponto de vista de Thomas Hunt Morgan e de William Bateson respectivamente. A partir do contraste entre suas posições coloca-se a indagação sobre como a seqüência de trabalhos científicos pode ter levado a conclusões tão diferentes, e em muitos casos conflitantes com o que se aceita atualmente.
    A segunda parte (capítulos 3 a 6) discute detalhadamente as evidências científicas a favor e contra a teoria cromossômica em cada uma das etapas consideradas, levando em conta as contribuições, argumentação e posicionamento de diversos pesquisadores. Além disso, discute algumas explicações conceituais oferecidas pelos historiadores e filósofos da ciência para as atitudes de Morgan e Bateson, frente à teoria cromossômica. O capítulo 3 analisa o trabalho de Mendel, e a hipótese de Sutton-Boveri (1902-3). O capítulo 4 discute a situação da teoria cromossômica em torno de 1910, focalizando principalmente a determinação de sexo e herança ligada ao sexo. Além disso, propõe um novo método de análise. O capítulo 5 lida com os avanços da teoria cromossômica até 1915, analisando alguns aspectos relevantes da ligação, permuta e não disjunção. O capítulo 6 discute os desenvolvimentos da teoria cromossômica após a publicação do Mechanism of Mendelian heredity de Morgan e colaboradores (1915), até a "conversão" parcial de Bateson (1921). Essa análise permite esclarecer que nessas diversas etapas havia muitos problemas de ordem conceitual para o estabelecimento da teoria, que influíram na atitude dos pesquisadores; mas percebe-se também que havia fatores extra-científicos agindo.
    A terceira parte (capítulos 7 a 9), apresenta e discute inicialmente as explicações não conceituais oferecidas pelos historiadores para as atitudes de Morgan (cap. 7), bem como para as de Bateson (cap. 8), descartando algumas e complementando outras. O capítulo 9 apresenta nossa própria interpretação dos fatos.
    O capítulo 10 oferece uma conclusão geral. Mostra que Bateson manteve durante toda a sua vida uma atitude de expectativa crítica (agnosticismo científico) com relação à teoria cromossômica. Deste modo, não podemos falar em rejeição completa, nem em conversão completa. Já em relação a Morgan, sua atitude antes de 1910 pode ser considerada como sendo de rejeição completa e a partir daí de completa adesão a essa teoria. Embora a atitude de Bateson em todos os estágios possa ser explicada a nível conceitual, detectamos também a influência de fatores não conceituais tais como agnosticismo científico, ênfase nas exceções, e visão ampla da Biologia (que o levou a lidar com um variado material experimental que incluía animais e vegetais, que em sua maior parte não era favorável para o estabelecimento de relações entre fatores e cromossomos). Além disso, Bateson acreditava que a abrangência de uma teoria da hereditariedade deveria ser mais ampla e deveria explicar não apenas a transmissão de caracteres, mas também o desenvolvimento. Além disso, pode-se dizer que Bateson perpetuou em torno de si um círculo não questionador de colaboradores no John Innes Institute. Embora a atitude de Morgan em torno de 1902-3 pudesse ser explicada a nível conceitual, nota-se que ela era extremamente radical, e isso sugere a influência de alguns fatores extra-científicos, que foram detectados, tais como: aversão ao preformacionismo, e considerar a teoria especulativa (semelhante àquelas do século XIX). A mudança de atitude de Morgan, em torno de 1910, não pode ser explicada a nível conceitual, uma vez que suas objeções neste nível não haviam sido respondidas (por exemplo, faltava uma explicação da diferenciação e desenvolvimento, a partir da teoria cromossômica). Defendemos aqui que ele mudou de idéia como uma estratégia profissional. Ele mudou sua linha de pesquisa dedicando-se totalmente ao estudo de Drosophila durante quase trinta anos. Concentrou-se na genética da transmissão. Deste modo, aderiu à especialização. Deixou de lado suas antigas dúvidas lutando pelo estabelecimento de autoridade no campo e pela divulgação de suas idéias (Morgan escreveu inúmeras obras de divulgação científica, incluindo o Mechanism). Seu material experimental era muito adequado para o estabelecimento de relações entre fatores e cromossomos. Sua equipe era constituída por hábeis citologistas que eram também mentes independentes.

    Morgan foi o vencedor, mas Bateson não pode ser considerado estúpido ou imbecil. Eles tinham maneiras diferentes de entender e fazer ciência, que muitas vezes conflitavam. Eles adotaram diferentes programas de pesquisa. Embora não fossem conflitantes, estes encerravam diferentes metodologias e objetivos. Eles também representavam a natureza de um modo diferente. Sem dúvida o estabelecimento de uma controvérsia é conseqüência da representação da natureza. A maneira de entender e fazer ciência de Bateson dificilmente leva-lo-ia a estabelecer a teoria cromossômica ou a aceitá-la como um todo.
 
 
Grupo de História, Teoria e Ensino de Ciências – UNICAMP


"A teoria cromossômica da herança: proposta, fundamentação, crítica e aceitação"

["The chromosome theory of inheritance: proposal, foundation, criticism and acceptance"]

Lilian Al-Chueyr Pereira Martins

Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1997.
(PhD Thesis)
xx + 720 pages and 57 figure plates

Abstract: The aim of this thesis is to study the historical context of the establishment of chromosome theory of inheritance in the three early decades of the 20th century. This work tries to elucidate the main reasons that lead important geneticists of that time, particularly Thomas Hunt Morgan and William Bateson, to delay for a long time the acceptance that Mendelian factors (later called genes) were physical entities located in some definite points along the chromosomes. The thesis tries to check whether the chromosome theory was well established or not, according to the scientific standards of that time, at the following times: 1902-3 (proposal of the Sutton-Boveri hypothesis); 1910 (Morgan's "conversion"); 1915 (publication by Morgan, Sturtevant, Muller & Bridges, of The mechanism of Mendelian heredity); and 1921 (Bateson's partial "conversion"). Besides that, this work attempts to elucidate whether the scientists' attitudes could be rationally defensible or not at each of the examined times. In case they were not, the thesis endeavours to detect any extra-scientific factors that might have influenced them.
    This thesis comprises an introduction and ten chapters. The chapters are assorted in three parts. The introduction aims at elucidating some relevant points such as the scope of the inquiry, the historical approach and the research method of the thesis. The first part (chapters 1 and 2) tells the history of Genetics from Morgan's and Bateson's points of view, respectively. The contrast between their attitudes leads to the question: how could the sequence of scientific works could have lead to widely different conclusions, that in some cases disagree with what is accepted nowadays.
    The second part (chapters 3 to 6) discusses in detail the scientific evidences for and against chromosome theory in each of the studied periods, taking into account the contributions of several researchers, as well as their arguments and standing. It also discusses some conceptual interpretations offered by historians or philosophers to explain Bateson's and Morgan's attitudes towards the chromosome theory. Chapter 3 describes Mendel's work and analyses the Sutton-Boveri hypothesis (1902-3). Chapter 4 discusses the chromosome theory situation around 1910, particularly focusing sex determination and sex-linked inheritance. It also proposes a new method of analysis. Chapter 5 deals with the progress made by chromosome theory around 1915, analysing some relevant aspects concerning linkage, crossing-over and non-disjunction. Chapter 6 describes the advancement of chromosome theory, from the publication of The mechanism of Mendelian heredity (1915) to Bateson's partial "conversion" (1921). The analysis presented in those chapters leads to the conclusion that there were several conceptual problems related to the foundation of the theory, and they have influenced the attitudes of the researchers; however, besides scientific factors there were also extra-scientific factors influences behind their attitudes.
    The third part of the thesis (chapters 7 to 9), presents and discusses the non-conceptual interpretations offered by historians to explain Morgan's attitude (chapter 7) and Bateson's attitude (chapter 8). Some of those explanations are rejected, others are complemented. Chapter 9 presents our own interpretation of the facts.
    Chapter 10 provides a general conclusion. It shows that Bateson kept during all his life an attitude of critical expectation (scientific agnosticism) towards chromosome theory. Therefore, we cannot describe his attitude neither as complete rejection nor as total conversion. As for Morgan, before 1910 his attitude may be regarded as a complete rejection, and after that, of complete commitment to this theory. Bateson's attitude throughout all periods may be explained from a conceptual point of view, but we have also detected the influence of non-conceptual factors such as scientific agnosticism, emphasis on exceptions, and a wider view of Biology (that lead him to deal with a varied experimental material including both animals and vegetables, which were not favourable to the finding of a link between chromosomes and factors). Moreover, Bateson believed that the scope of a theory of heredity should be wider: it should explain not only transmission, but also differentiation and development. Besides that, it may be said that Bateson perpetuated around him a passive circle of collaborators at the John Innes Institute. Morgan's attitude around 1902-3 might receive a conceptual explanation. However, since it was extremely radical, this suggests the influence of some extra-scientific factors, which were detected, such as: aversion to preformationism, and to regard chromosome theory similar to 19th century speculations. Morgan's change of attitude around 1910 cannot be explained from the conceptual point of view, since his scientific objections had received no answer. The thesis claims that he changed his mind due to a professional strategy. He changed his research line and devoted himself to the sole study of Drosophila, during almost thirty years. He concentrated his attention to the genetics of transmission. In this way, he adhered to specialisation. He put apart his old doubts and fought for authority in the field and for the dissemination of his ideas (Morgan wrote many popular scientific works, including The mechanism). His experimental subject was very appropriate to establish a link between chromosomes and factors. His staff was composed by skilful cytologists who were also independent minds.
    Morgan was the winner, but Bateson cannot be regarded as stupid or foolish. Morgan and Bateson had different and sometimes conflicting ways of understanding and doing science. They adopted different research programs. Although their programs did not conflict, they embodied different methods and purposes. They also represented nature in different ways. Doubtless the establishment of a controversy is due to representations of nature. The way in which Bateson understood and did science would hinder him to establish chromosome theory or to accept it as a whole.
 

 
Group of History and Theory of Science – UNICAMP, Brazil