Juliana Mesquita Hidalgo Ferreira 

Estudando o invisível: William Crookes e a nova força

São Paulo: Educ, 2004
ISBN 85-283-0306-3
568 pgs

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Prólogo
Um estudo histórico de peso, sobre um tema polêmico
 
    Esta obra contém o texto de uma dissertação de mestrado de Juliana Mesquita Hidalgo Ferreira , sobre um tema importante porém difícil de estudar, sob o ponto de vista acadêmico. Trata-se de um estudo sobre os trabalhos de um importante cientista do final do século XIX, a respeito de fenômenos mediúnicos.
 
A autora desenvolveu seu Mestrado junto ao Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, de 1999 ao início de 2001.

    William Crookes (1832-1919) foi um importante químico inglês do século XIX e início do século XX. Proveniente de uma família sem tradição intelectual (seu pai era alfaiate), conseguiu percorrer uma impressionante trajetória que lhe deu grande destaque, em sua época. Desenvolveu estudos sobre química aplicada (como, por exemplo, o uso de desinfetantes nos esgotos) e sobre química pura (por exemplo, descobriu o elemento químico tálio em 1861, e determinou o seu peso atômico).  Desenvolveu também pesquisas físicas importantes, como o estudo de um tipo de repulsão produzida por objetos quentes, que levou à invenção de um aparelho chamado “radiômetro”. Seus estudos sobre descargas elétricas em gases rarefeitos, utilizando técnicas especiais desenvolvidas por ele próprio para conseguir alto vácuo (os “tubos de Crookes”), levaram ao estudo dos “raios catódicos” e “raios canais”, permitindo a descoberta do elétron e o estudo da estrutura atômica, e levando também à descoberta dos raios X. Na passagem do século XIX para o século XX, dedicou-se ao estudo da radioatividade.
 
    Crookes foi o responsável por diversas revistas científicas de grande influência, na época. Fundou em 1859 a revista Chemical News, da qual foi editor até 1906. Foi membro da Royal Society de Londres, uma das mais importantes e prestigiosas instituições científicas do mundo. Por suas muitas contribuições científicas, foi agraciado com o título de “Sir”, em 1897.
 
    Os físicos e químicos de hoje conhecem o nome de Crookes, e sabem de algumas de suas realizações. Trata-se de um personagem importante, cujas pesquisas científicas mereceriam um estudo histórico detalhado. No entanto, o objetivo deste livro não é descrever os grandes sucessos científicos de William Crookes, e sim discutir os estudos deste pesquisador a respeito de um tema controverso: os fenômenos manifestados por médiuns, que pareciam exibir a existência de uma “nova força” desconhecida pela física.
 
    Foi em 1870, em meio a várias outras pesquisas científicas “normais”, que William Crookes iniciou os estudos mais controversos de sua vida, analisando alguns fenômenos espantosos produzidos pelo médium Daniel Home, o qual parecia ser capaz de movimentar objetos à distância (ver capítulo 3). Posteriormente, Crookes estudou a médium Florence Cook, que aparentemente conseguia materializar espíritos (ver capítulo 4). Nos dois casos, Crookes concluiu que os fenômenos eram autênticos e não envolviam fraude.
 
    Nos círculos espiritualistas, essas pesquisas de William Crookes costumam ser descritas como sendo uma “prova científica” da realidade dos fenômenos exibidos pelos médiuns. Nos círculos científicos mais céticos, as mesmas pesquisas são caracterizadas como um exemplo de como um cientista, embora competente em uma área de estudos, pode ser enganado (ou pode se equivocar) ao tentar estudar fenômenos de outro tipo.  Não tenho dúvidas de que os diversos tipos de leitores que irão consultar a presente obra possuem fortes expectativas de encontrar aqui confirmações de suas próprias opiniões – que serão, geralmente, as dos adeptos do espiritualismo ou as dos cientistas céticos. Muitos ficarão, por isso, decepcionados com o que será apresentado neste livro. A autora não se posiciona a favor nem contra a existência desses fenômenos. Não se trata, portanto, de uma defesa de nenhum dos pontos de vista mais comuns a respeito do tema.
 
    Mas se a autora não vai nem defender nem atacar a existência desses fenômenos, o que esse livro apresenta?
 
    Esta pesquisa de Juliana Mesquita Hidalgo Ferreira é um excelente estudo histórico do tema, mas sob um ponto de vista neutro com relação à existência dos fenômenos descritos. O objetivo central de uma pesquisa histórica é compreender o passado, estudando a documentação existente sobre o assunto e procurando encontrar uma interpretação para as ações das pessoas, que seja coerente com aquilo que os documentos mostram.
 
    De uma forma cuidadosa e rigorosa, a autora estudou e discutiu um grande volume de trabalhos da própria época investigada, assim como estudos históricos sobre o assunto . Podemos dizer que, em nosso país, nunca foi publicado um estudo tão detalhado sobre as investigações de Crookes a respeito dos fenômenos mediúnicos, e que a pesquisa de Juliana Hidalgo Ferreira é, no mínimo, de nível equivalente ao dos melhores estudos históricos sobre o assunto publicados no exterior. Além do rigor historiográfico, há ainda outra importante componente neste livro. Mergulhando com profundidade não apenas nos trabalhos de Crookes como também no contexto de sua época, a pesquisadora procurou determinar se as investigações que o famoso químico desenvolveu a respeito da “nova força” seguiam os padrões de cientificidade da época. Assim, esta obra apresenta também uma contribuição epistemológica, analisando a metodologia dessas pesquisas, examinando críticas metodológicas levantadas na própria época, e comparando também as pesquisas sobre fenômenos espiritualistas às outras investigações científicas de Crookes, na mesma época.
 
    Tendo acompanhado todo o trabalho, no papel de orientador da autora, cumpre-me dar um testemunho público da seriedade do trabalho desenvolvido. É muito raro encontrar, em pesquisadores tão jovens, o nível de dedicação e competência encontrado no trabalho de Juliana. Ela se mostrou capaz de absorver com total fidelidade os padrões mais elevados de um bom trabalho historiográfico, e dedicou-se continuamente, até o limite de suas forças, à elaboração de uma obra que considero exemplar. Minha contribuição foi, como deveria ser, apenas a de orientar o trabalho e discutir cada passo desenvolvido. Nenhum parágrafo deste texto foi escrito por mim. Mas assumo, é claro, a co-responsabilidade por qualquer falha do mesmo, bem como por suas limitações.
 
    Este trabalho não é, evidentemente, “completo”. Nenhuma investigação histórica pode ser exaustiva – sempre existem outros documentos que poderiam ser procurados e estudados. Trata-se, no entanto, de uma excelente análise do assunto, desenvolvida sob algumas restrições práticas. Do planejamento inicial da pesquisa e elaboração de um projeto para obtenção de apoio da FAPESP (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo) à defesa da dissertação, passaram-se apenas dois anos e meio, e foi durante esse tempo que todo o trabalho foi desenvolvido – o levantamento bibliográfico, a busca de documentos, a aquisição de obras raras, o estudo de manuscritos, a análise de todo o material, a redação do texto e sua revisão. O resultado mostra o enorme esforço dispendido pela autora durante o curto período de tempo disponível para o desenvolvimento de uma enorme tarefa como esta. Pela excelente qualidade do trabalho apresentado, a dissertação de mestrado de Juliana Mesquita Hidalgo Ferreira foi escolhida por uma comissão da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como um dos melhores trabalhos desenvolvidos em todas as áreas, no ano de 2001, sendo por isso publicada agora pela Editora da mesma Universidade, com apoio financeiro da FAPESP.
 
    Espero que ninguém distorça o presente trabalho, utilizando-o como base para defender ou negar a existência dos fenômenos mediúnicos. Ele não foi escrito para isso, e não se presta a tal uso. Pode-se, sim, utilizá-lo para discutir de forma mais profunda – e crítica – o trabalho de William Crookes. Um leitor desapaixonado aprenderá, pela leitura deste livro, que as pesquisas de Crookes não eram tão ridículas quanto os céticos costumam descrevê-las, nem tão rigorosas quanto os espiritualistas costumam  pintá-las. Infelizmente – para quem gosta de respostas simplistas – a situação era extremamente complexa, e em vez de um preto-ou-branco encontramos nuances de cinza, quando penetramos através das brumas que ocultam o passado. Para quem prefere o rigor intelectual e a complexidade da realidade, em vez de simplificações distorcidas, esta é uma obra que deve ser estudada.

 
Roberto de Andrade Martins
Grupo de História, Teoria e Ensino de Ciências
Instituto de Física “Gleb Wataghin”
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Grupo de História, Teoria e Ensino de Ciências – UNICAMP